‘Modernos’ na mira dos aiatolás

Regime estaria apoiando protestos contra a liberalização dos costumes

TEERÃ – O regime iraniano deu sinais ontem de que poderá retroceder na liberalização dos costumes, ocorrida nos últimos quatro anos. Os jornais iranianos – controlados de perto pelo regime – publicaram ontem notícias de protestos de grupos conservadores contra a liberalização dos costumes, e de que a polícia passará a reprimir com mais rigor a violação de códigos de conduta.

O jornal estatal Keihan, de linha conservadora radical, informou que “grupos de famílias de mártires” (mortos na guerra contra o Iraque, entre 1980 e 88) foram ao Parlamento manifestar-se contra mulheres que não cobrem adequadamente os cabelos e o corpo e contra rapazes que usam roupas e penteados ocidentais. Os manifestantes, segundo o jornal, pediram aos parlamentares que votem leis para reprimir essas liberalidades.

“A maioria dessas garotas não se veste bem porque não sabe a importância e o valor do hedjab”, disse uma moça identificada como “filha de mártir”. O hedjab é o nome dado ao ato de cobrir o corpo. “Temos que salvar os jovens”, exortou uma outra “filha de mártir”. “Esperamos que haja um projeto de lei para dizer como as pessoas devem se vestir. Até agora, não se pode fazer nada porque o governo ainda não apresentou nenhum projeto.”

Essa é também a opinião do comandante da polícia, Sardar Talaie. Segundo ele, a solução do problema “depende de outras instituições, como o Parlamento, e a polícia prefere atuar noutras áreas, como a segurança”.

Talaie anunciou, no entanto, que a polícia passaria a prender pessoas que colocam música muito alta, vendem drogas e andam com animais nas ruas. Ele disse também que a polícia passaria a reprimir os rapazes que “molestam” garotas. O jornal Hamshahry, de linha mais independente, observou que “todo início de ano tem esse problema, por causa do verão”.

“Já estamos no ano do profeta Maomé, temos que cumprir as normas do Islã”, disse uma manifestante ao jornal, referindo-se à decisão da liderança espiritual iraniana de dedicar este ano ao profeta, em desagravo pelas caricaturas dinamarquesas. “Quando pedimos essas coisas, o governo diz que tem problemas mais importantes, como a questão nuclear, as relações externas”, queixou-se uma mulher. “Por que não podemos buscar soluções para problemas do nosso país?

Observadores com largo conhecimento do modo de agir do regime iraniano disseram que essas notícias são sinais do que o governo pretende fazer. Manifestações de protesto no Irã são iniciativas controladas. Embora haja muitas pessoas que realmente pensam assim, o fato de elas terem saído para se manifestar – e de isso ter sido noticiado – significa que podem estar antecipando as intenções do governo, acreditam analistas.

O regime instaurado com a Revolução Islâmica de 1979 introduziu um rígido código de conduta nas ruas. Contatos físicos entre casais, mulheres de cabelo de fora ou com roupas que denunciem suas curvas, maquiagem, homens sem barba e outras atitudes consideradas ocidentais e imorais passaram a ser violentamente reprimidas pelos temidos basidjis, os guardiães dos bons costumes.

No início desta década, no segundo mandato do ex-presidente Mohamad Khatami, a repressão diminuiu. Mulheres não saem em público com cabelo descoberto, e as blusas continuam com formato de batas. Mas as calças jeans e maquiagem se tornaram mais comuns. E muitos rapazes usam penteados e roupas de grife ocidentais.

Com a eleição do presidente nacionalista Mahmoud Ahmadinejad, no ano passado, cogitou-se de que poderia haver um retrocesso nessa área. Muitos iranianos acreditavam que não. “Os jovens representam 70% da população”, disse uma moça de calças jeans, sapatos de salto alto, óculos de sol e maquiagem. “O governo não pode voltar atrás nisso.” As notícias de ontem foram os primeiros sinais no sentido contrário.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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