Opositor pede anulação da eleição e Ahmadinejad justifica cerco

Mousavi exorta seguidores a manter protestos; presidente diz que manifestantes ‘pertencem ao Ocidente’

TEERÃ – O candidato opositor e ex-primeiro-ministro Mir Hossein Mousavi pediu ontem oficialmente a anulação das eleições presidenciais iranianas, realizadas na sexta-feira. Mousavi, derrotado pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad, exortou seus seguidores a prosseguir com as manifestações de “forma pacífica e legal”.

Em uma declaração em seu site na internet, Mousavi disse que pediu ao Conselho dos Guardiães, um órgão legislativo, que cancele o resultado das eleições. Segundo o jornal britânico The Guardian, o líder supremo do Irã, Ali Khamenei, teria aconselhado Mousavi a evitar qualquer comportamento “provocador” e a aceitar os resultados das urnas.

“É como numa partida de futebol. Alguns torcedores ficam bravos e têm problemas com a polícia.” Com essa analogia, o Ahmadinejad, justificou ontem – durante entrevista coletiva no palácio presidencial – a prisão de cerca de 170 membros da oposição – segundo dados da imprensa estatal -, que rejeitaram o resultado oficial da votação, denunciando fraude. Mousavi está em prisão domiciliar desde sábado e o candidato reformista Mehdi Karroubi tem a casa vigiada, e para sair precisa informar às autoridades aonde vai.

Segundo o chefe da polícia iraniana, Ahmad Reza Radan, dos 170 detidos, 10 eram os “principais organizadores” dos protestos e 60, “apenas baderneiros”. O restante teria sido preso por estar na região das manifestações. Ontem, as redes de telefonia celular da capital foram restabelecidas, mas ainda não era possível enviar mensagens de texto dos aparelhos.

“Se uma pessoa avança o sinal vermelho, é multada pela polícia”, continuou Ahmadinejad. “Não importa se são ministros ou cidadãos comuns. Todos são iguais perante a lei.” O presidente estava respondendo a uma pergunta sobre se garantiria a segurança de Mousavi e dos oposicionistas presos.

Entre eles estão Berzad Nabavi, líder da Organização dos Mujahedin da Revolução Islâmica e ministro da Indústria no governo de Mousavi (1981-89); Mustafa Tadjadeh, ex-ministro do Interior e assessor do ex-presidente reformista Mohammed Khatami (1997-2005); Mohsen Aminzadeh, ex-ministro das Relações Exteriores; e Said Shariati, porta-voz da Frente de Participação do Irã Islâmico.

Reza Khatami, irmão do ex-presidente e líder do partido Mosharekat (Cooperação), foi preso no sábado e solto ontem. Os três partidos são reformistas e apoiaram Mousavi. Foi preso, também, o jornalista Ahmad Zeidabadi, ex-líder estudantil que escreve no jornal reformista Etemade Meli.

“O Irã estabeleceu um novo modelo de eleição, com base na ética e nos valores humanos”, afirmou Ahmadinejad, que segundo a Comissão Eleitoral obteve 63% dos votos válidos, ante 34% para Mousavi, 2% para o conservador Mohsen Rezai e 1% para Karroubi. “Nas democracias liberais, há muitos partidos com poucos quadros. O povo é empurrado para fora da arena. Os políticos são profissionais”, criticou.

“Se alguém tiver provas de irregularidades, pode ir ao Conselho de Guardiães”, desafiou o presidente, referindo-se ao órgão que supervisiona as eleições, controlado pelo aiatolá Khamenei, que apoia tacitamente Ahmadinejad. “Comunicados, panfletos e cartas não vão resolver nada”, concluiu o presidente.

FUTURO PROMISSOR

“O Irã vai se tornar uma potência econômica”, exultou Ahmadinejad. “Já é uma potência política.” Um jornalista perguntou se ele esperava um ataque dos EUA ou de Israel a suas instalações nucleares. “Quem ousaria sequer pensar nisso?”, reagiu o presidente. “Nenhuma potência é capaz de ameaçar o Irã. O povo iraniano é forte. Acredita na paz, mas defende nossos interesses com muita força. Não acho que há a menor possibilidade de alguém cometer um erro tão estúpido.”

Ahmadinejad confirmou sua disposição de ter um “debate” com o presidente dos EUA, Barack Obama. E defendeu uma “parceria” para tornar o mundo livre de armas nucleares.

Ao sair da coletiva, no fim da tarde, Ahmadinejad foi para uma celebração popular da sua vitória, na Praça Vali-e-asr, uma das mais importantes de Teerã. Atendendo a convocações feitas pela TV estatal, milhares de pessoas foram ouvir o presidente. Muitos traziam bandeiras do Irã, que foi usada como símbolo da campanha de Ahmadinejad, para exaltar seu nacionalismo. Uma das palavras de ordem era: “Valente presidente, siga o caminho do imã”, numa referência ao aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica de 1979.

Diante da multidão, Ahmadinejad afirmou em discurso que os manifestantes que contestam o resultado das urnas “pertencem ao Ocidente, pertencem a (George W.) Bush”. “Alguns só reconhecem uma democracia se seu resultado é favorável a eles.”

No caminho até o comício, muitos tiveram uma tensa passagem pela Avenida Enghelab Eslami, onde centenas de manifestantes protestavam contra o que consideram fraude na eleição. A polícia separou os dois grupos.

Pelo segundo dia consecutivo, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar. Foram dispersos com golpes de cassetete e bombas de gás lacrimogêneo. Dezenas de manifestantes foram presos. O Estado viu três jovens agachados na calçada, com os pulsos atados uns aos outros com fios de nylon, sendo interrogados por homens à paisana. Os manifestantes atacaram a polícia com pedras e coquetéis molotov, e atearam fogo em montes de papéis nas ruas.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*