Programa é irreversível, insiste Irã

Mas, às vésperas de relatório da agência da ONU, porta-voz não afasta possibilidade de joint venture com Rússia

TEERÃ – O Irã jamais renunciará a manter atividades nucleares dentro de seu território. Mas está aberto a propostas, como a dos russos, de uma joint venture para enriquecimento de urânio iraniano na Rússia. Foi o que disse ontem o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, Hamid Reza Assefi.

“O programa nuclear iraniano não tem volta”, avisou o porta-voz, durante entrevista coletiva. “Se querem tratar do assunto do ponto de vista técnico, tudo bem. Mas se querem nos ameaçar, é evidente que o Irã não renuncia a seus direitos. E está disposto a enfrentar todas as situações.”

O porta-voz não demonstrou entusiasmo quanto às chances de negociações com os Estados Unidos. “Não temos pressa para preparar o terreno e começar as negociações, porque desde o começo fomos pessimistas quanto aos objetivos dos EUA”, disse Assefi. “Não demos nenhum passo ainda.”

O presidente iraquiano, Jalal Talebani, confirmou ontem que as negociações vão ocorrer em Bagdá, embora não haja data marcada. Seriam as primeiras conversações diretas entre Irã e EUA desde o seqüestro de 63 funcionários da embaixada americana em Teerã, em 1979.

Na pequena sala de entrevistas da chancelaria, os jornalistas, quase todos iranianos, desafiaram o porta-voz a prometer que o Irã nunca voltaria atrás. “Estamos firmes”, garantiu. “É irreversível.” Assefi lembrou que a estratégia do governo está baseada nas decisões da liderança espiritual do país. “Todos nós, o Ministério das Relações Exteriores e os outros, nos norteamos pelas decisões do líder religioso supremo”, lembrou o porta-voz, referindo-se ao aiatolá Ali Khamenei, que, na teocracia iraniana, tem funções equivalentes à de chefe de Estado.

“Queremos que os EUA, como membros da comunidade internacional, usem uma linguagem civilizada”, disse o porta-voz, referindo-se às ameaças americanas de conter a todo custo o programa nuclear iraniano. À pergunta sobre se é verdade que os países europeus impuseram ao Irã a condição de suspender o enriquecimento de urânio, Assefi respondeu: “Tudo isso é propaganda. Querem criar mais confusão.”

Assefi disse que o Irã não está preocupado com a proposta americana de impor sanções internacionais à compra de armamentos pelo Irã. “Desde o início (do regime islâmico, em 1979), estamos sob embargo de armas, com exceção da ajuda de alguns países amigos”, disse ele. “Todo o êxito que o Irã conseguiu tem sido pelo esforço de nossos cientistas.”

O secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional, Ali Larijani, negociador-chefe iraniano, viajou ontem ao Bahrein e deve também visitar a Turquia e outros países da região, para angariar apoio à posição iraniana. “Continuamos conversando”, disse Assefi. “De todos modos, pode-se estudar o plano dos russos ou outros planos que garantam nossos direitos. O importante para nós é que nenhuma opção pode tirar o direito do Irã.”

O embaixador do Irã perante a AIEA, Ali-Asghar Soltanieh, anunciou no sábado que o governo abrirá no mês que vem “a todos os países” concorrência para a construção de mais dois reatores nucleares. Os dois também serão em Bushehr, no sudoeste do país, onde já está sendo construído um reator, com assistência russa.

Segundo o porta-voz, a posição do Irã se baseia em duas premissas: “as atividades de pesquisa são inevitáveis” e o país não renunciará a seu direito. “Evidentemente, qualquer proposta que atenda a essas premissas pode ser discutida.”

Os jornalistas perguntaram como o Irã reagirá se o novo informe que o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica, Mohamad El-Baradei, deve apresentar, for desfavorável ao Irã, como têm previsto fontes de governos ocidentais, abrindo caminho para a possível imposição de sanções contra o país pelo Conselho de Segurança da ONU.

“É preciso esperar para ver o que vai dizer El-Baradei”, respondeu Assefi. “Ele nunca declarou que o Irã violou as regras da agência. Mas as potências querem pressionar para que o assunto se torne político e não técnico. Sempre nos preocupamos em mantê-lo no âmbito técnico. A opinião dos ocidentais de que o informe de El-Baradei será negativo nos mostra que eles o estão pressionado. É isso que nos preocupa.”

Assefi agradeceu ao papa por sua declaração de que a crise deveria ser superada de forma pacífica. “Essa é a visão comum de todas as grandes religiões: evitar atitudes desumanas”, disse ele.

O porta-voz garantiu que o Irã nunca utilizou centrífugas da geração P-2, mais eficientes no enriquecimento de urânio que as do modelo P-1. “O Irã usou apenas a P-1”, disse ele. “Isso já informamos à agência e esteve sob o controle dela. Podemos decidir usar a P-2 no futuro. Todos os países signatários do Tratado (de Não-Proliferação Nuclear) têm direito de utilizá-la. E ninguém pode impedir.” Os jornalistas insistiram se o Irã tem essa geração de centrífugas ainda não inspecionadas, como suspeita a AIEA. “Os detalhes, se convier, serão informados pelas autoridades competentes”, escapou Assefi.

A possível existência das P-2, num eventual programa clandestino, é um dos motivos da suspeita de que o Irã tenha a intenção de também fabricar armamentos atômicos, e não apenas gerar energia, como alega. Os inspetores também não se contentaram com as explicações do país sobre a compra não-declarada, e detectada pela agência, de equipamentos que podem ser usados em instalações nucleares. O Irã alegou que esses equipamentos se destinaram a laboratórios de pesquisa acadêmica. Mas não permitiu o acesso dos inspetores a todos os cientistas e laboratórios.

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