Fornecimento de energia à capital pode recomeçar hoje

Hospitais e estações de bombeamento de água funcionam parcialmente com geradores

BAGDÁ – Roland Huguenin-Benjamin, o porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no Iraque, está ligeiramente cético, mas retransmite o que ouviu na véspera, numa reunião entre técnicos americanos e iraquianos: a eletricidade voltará a Bagdá em 48 horas – ou seja, de hoje para amanhã. “Todo o restante depende disso”, disse ao Estado o porta-voz da única agência humanitária que continuou operando no Iraque durante a guerra.

Os hospitais, movidos por geradores, estão funcionando com apenas metade de sua capacidade. O mesmo se aplica às estações de tratamento de água. Há energia suficiente para bombear a água até as casas com metade da vazão. Não para purificá-la. A maior parte da água potável consumida em Bagdá é a que já tinha sido saneada antes do corte da eletricidade, há quase duas semanas.

Com geradores, os técnicos do CICV já conseguiram fazer funcionar uma das estações de água e, a partir de ontem, 800 mil pessoas passaram a receber água fresca em Al-Thawra, a área mais populosa da cidade, antes denominada Cidade Saddam. “Estamos trabalhando para recuperar as outras duas estações de água”, diz Huguenin. Mas só com a eletricidade se poderá normalizar o abastecimento.

A história da destruição da rede elétrica é uma das controvérsias da guerra. Os americanos garantem que não foram eles. Um engenheiro iraquiano disse ao Estado que, assim como em 1991, os aviões americanos despejaram sobre as redes de alta tensão caixas de madeira, que no ar se dividiam em duas partes, ligadas por um fio. Em contato com os fios da rede, produziam curto-circuito. “Nós consertávamos todas as vezes. Então, eles bombardearam as torres.”

E para que os americanos atingiriam um alvo tão obviamente civil? “Para esgotar as energias da população e apressar o fim da guerra”, explicam militares iraquianos, que jogaram fora suas fardas e agora vagueiam por Bagdá em busca de algo para fazer.

A história do serviço telefônico é um pouco diferente. Ele seguiu funcionando durante dez dias de guerra. Até que os militares iraquianos, sem comunicação por causa do bombardeio, começaram a confiscar linhas telefônicas residenciais, desviando-as para o seu uso. O serviço da companhia estatal telefônica foi desaparecendo gradualmente, na medida em que os americanos iam bombardeando suas torres.

“Não faltam médicos, enfermeiros e outros profissionais voluntários”, diz Huguenin. “Mas, com a falta de telefone, para reuni-los, é preciso ir atrás de um por um. Tudo leva muito mais tempo. É muito difícil trabalhar assim.”

O CICV retomou na quarta-feira o fornecimento de material cirúrgico para os hospitais, com escolta americana. Segundo o porta-voz, alguns depósitos de medicamentos e material hospitalar foram saqueados, outros foram protegidos pelos americanos, e há estoques suficientes para o momento. Hospitais como o Olympic, de Uday, filho de Saddam, foram inteiramente saqueados.

Outra preocupação do CICV são os estoques de comida. “As rações de comida não são distribuídas há semanas”, diz o porta-voz. “As pessoas não estão recebendo seus salários, e estão tendo de recorrer a suas economias. Mas isso não pode durar por muito tempo.”

O Programa Mundial de Alimentos, da ONU, estima que durarão até o fim do mês os alimentos nas despensas dos iraquianos que dependem de ajuda para sobreviver – 60% da população ou 16 milhões de pessoas. Dois caminhões de ajuda humanitária, da Grécia, chegaram na quarta-feira. Mas foi uma iniciativa isolada. “Para alimentar uma nação inteira, não bastam o CICV ou outras agências humanitárias”, diz Huguenin. “Só a ONU pode fazer isso.”

 Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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