‘Intervenções como essa deram errado’, diz especialista

Região quer se ver livre de Saddam, mas não sabe o que os EUA têm nas mãos, segundo analista

AMÃ – O histórico de intervenções como essa que os Estados Unidos estão preparando no Iraque é desanimador. Haiti, Afeganistão, Líbano, Somália: a lista de fracassos é grande. Ao mesmo tempo, os países da região gostariam de se ver livres de Saddam Hussein – e não sabem ao certo que tipo de cartas os Estados Unidos têm na manga.

Mustafa Hamarneh, diretor do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade da Jordânia, traça, em entrevista ao Estado, um vívido quadro dos dilemas, angústias e esperanças que a guerra iminente no Iraque suscita em seus vizinhos.

Estado – Como o sr. acha que esse conflito vai acabar?

Mustafa Hamarneh – Não sabemos. Há vários cenários possíveis. Os americanos estão desenhando um cenário muito róseo e esperamos que ele se confirme. Mas há várias incertezas. A começar pelo histórico americano. Intervenções como essa na América Latina, Afeganistão, Líbano, Somália, Haiti, etc., deram muito errado. Além disso, não sabemos como o conflito se desdobrará no Iraque, o número de baixas, a dimensão da destruição. Quanto menores, mais fácil a reconstrução e reorganização do Iraque.

Estado – Outro fator essencial será o grau de lealdade de forças como a Guarda Republicana Especial?

Hamarneh – Depende de como a guerra seja conduzida. Há um núcleo baathista (do Partido Baath, de Saddam Hussein), que provavelmente terá de lutar. Primeiro, porque se trata de uma ocupação americana. Também haverá pessoas que lutarão para salvar a própria vida porque sabem que serão alvo de vingança (num acerto de contas com famílias de suas vítimas depois da eventual queda de Saddam). Não está claro como as pessoas reagirão.

Estado – Digamos que os americanos consigam derrubar Saddam rapidamente. Quem poderia assumir no lugar dele?

Hamarneh – Depende do que os americanos tenham na manga. Se eles puderem colocar algo em funcionamento imediatamente, as pessoas não se sentirão abandonadas. O melhor cenário para os iraquianos e para a região é uma guerra rápida, o mínimo de destruição e um governo viável para assumir. Qualquer coisa aquém disso significa problema: uma guerra longa, acertos de contas, a libanização do conflito (vários grupos lutando entre si).

Estado – Como se sentem os países vizinhos?

Hamarneh – Claro que o Irã quer ver Saddam fora, mas não quer que os americanos o tirem, porque depois os americanos se voltarão contra eles. Os sírios também querem que Saddam saia, mas não dessa maneira.

Estado – O sr. acha que esses temores são pertinentes, que os EUA seguirão intervindo de país em país?

Hamarneh – São. Acho que se o presidente Bush tiver êxito no Iraque e se reeleger, é muito possível.

Estado – Como seria a construção de um novo regime no Iraque? Uma assembléia de líderes locais e exilados ou algo parecido com democracia?

Hamarneh – Os americanos têm falado na democratização do Iraque. Antes de 1948, o Iraque estava caminhando lentamente para uma democracia. Não sabemos o que acontecerá. Não sabemos a extensão da destruição que ocorrerá no Iraque. Será que a oposição (no exílio) terá um papel maior do que somos levados a crer hoje? Como serão as relações entre a oposição e o que sobrar do Estado iraquiano? Eles promoverão ou não a completa “desbaathização” do Iraque? Todas essas perguntas estão sem resposta. E os americanos têm sido extremamente eficientes em manter tudo fora do debate público. Temos a informação de que há burocratas iraquianos de médio escalão participando de reuniões no Departamento de Estado; de 4 mil pessoas sendo treinadas em campos. Alguma coisa está acontecendo. Sua extensão, não sabemos. Mais de 200 mil soldados vêm diretamente para nossa área e não somos ouvidos a respeito disso. Todo mundo discute o futuro da região, falam em democracia, mandam tropas, e ninguém fala conosco. É claro que nos sentimos excluídos.

Estado – Esse conflito pode ser um combustível para o terrorismo?

Hamarneh – Pode. Depende do resultado da guerra. Se os americanos vencerem rapidamente, pode ter um impacto negativo para o terrorismo no longo prazo. Mas, se for longa e sangrenta, certamente servirá de combustível para esses grupos.

Estado – Haveria outra forma de tirar Saddam, sem uma guerra, apoiando grupos de oposição interna? Esses grupos existem?

Hamarneh – Não. O regime é tão brutal que não sobrou qualquer tipo de oposição. Às vezes, você realmente precisa do fator exterior. Por outro lado, isso é colonialismo. Esse é o dilema histórico em que os árabes se encontram.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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