Irã foi o primeiro a armar curdos contra EI

Afirmação é do presidente do Curdistão iraquiano, Massud Barzani

ERBIL – O regime xiita iraniano foi o primeiro a fornecer armas e munição para os peshmergas, as tropas curdas, no confronto com os radicais sunitas do Estado Islâmico (EI). Foi o que declarou ontem o presidente do Curdistão iraquiano, Massud Barzani, no mesmo dia em que foi revelado o início de voos de reconhecimento americanos na Síria, aliada do Irã, para a possível escolha de alvos do EI. Os dois eventos indicam uma aproximação entre os interesses do Irã e dos EUA, que também fornecem armas para os peshmergas e já bombardeiam posições do EI no Iraque.

Barzani fez a revelação durante entrevista coletiva em Erbil, capital do Curdistão, ao lado do ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohamed Javad Zarif. O chefe da seção de Irã do Departamento de Relações Exteriores do Curdistão, Abdullah Akrawi, disse ao Estado que o governo iraniano deu início à ajuda militar “na primeira noite” depois do avanço dos jihadistas, em junho. Ele não quis detalhar que tipo de armas foram entregues. Assim como o porta-voz dos peshmergas, Helgurd Hikmet, confirmou que os EUA têm fornecido armamento pesado, incluindo tanques e peças de artilharia, mas não entrou em detalhes.

Em entrevista ao Estado na semana passada, o vice-primeiro-ministro curdo do Iraque, Rowsch Shaways, queixou-se de que o chefe de governo interino, Haidar al-Abadi, estava pressionado os EUA e países europeus a não fornecerem armas para os peshmergas, com receio de reforçar um possível movimento de independência do Curdistão. O chanceler iraniano esteve com Abadi no domingo, quando garantiu apoio ao Iraque na luta contra o EI, e afirmou que os país não precisa de ajuda do Ocidente para derrotar os jihadistas.

“Não temos presença militar no Iraque”, ressaltou Zarif ontem. “Temos cooperação militar tanto com o governo iraquiano quanto com os curdos, em diferentes arenas.”

No Irã, o regime xiita reprime o movimento da minoria curda em favor de mais autonomia. Guerrilheiros curdos do Irã estão lutando ao lado dos peshmergas, assim como os da Turquia, outro país que no passado recente reprimiu duramente o movimento pela autonomia da minoria, mas que desde 2008 tem buscado uma aproximação com suas lideranças.

Em Bagdá, continuaram ontem os atentados contra xiitas, em uma onda de retaliações pelo massacre de 68 sunitas em uma mesquita na província de Diyala, na sexta-feira. Um carro-bomba explodiu no bairro de maioria xiita Nova Bagdá, matando 12 pessoas e ferindo 28. Na segunda-feira, no mesmo bairro, um suicida havia detonado os explosivos em seu colete em uma mesquita, matando 9 pessoas e ferindo 21. O EI assumiu ontem responsabilidade pelo atentado de segunda-feira, afirmando que se tratava de vingança pelo massacre de sexta-feira.

Os voos de reconhecimento começaram sem que o presidente Barack Obama tenha decidido de bombardear alvos na Síria. “Embora o presidente ainda não tenha tomado a decisão de adotar ações militares adicionais, não restringimos nossas opções a fronteiras geográficas quando se trata da missão central de proteger nosso povo”, disse Caitlin Hayden, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, que no entanto se recusou a confirmar ou negar a informação. O general Martin Dempsey, comandante do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas americanas, tem dito que não é possível eliminar totalmente o EI sem atacar suas posições na Síria.

O eventual envolvimento dos EUA no confronto com os jihadistas na Síria representa um triunfo para o ditador sírio, Bashar Assad, que desde 2011 argumenta estar enfrentando “terroristas”. Em meados daquele ano, no calor dos protestos pacíficos contra o regime, Assad anunciou uma “anistia”, e soltou centenas de radicais islâmicos presos, que se agruparam em células que dariam origem à Frente Al-Nusra, filiada à Al-Qaeda, e ao Estado Islâmico.

Tablóides ingleses noticiaram que, de acordo com fontes de inteligência britânica, o homem encapuzado que aparece no vídeo decapitando o jornalista americano James Foley é o rapper Abdel-Majed Abdel Bary, que cresceu em Londres e usa o nome artístico L Jinny. O rapper é filho do egípcio Adel Abdel Bary, acusado de envolvimento nos atentados de 1998 da Al-Qaeda contra as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia.

Os agentes teriam usado técnicas de reconhecimento de voz para identificar o encapuzado, que fala com sotaque londrino. Ele está na Síria pelo menos desde o ano passado. Em um vídeo publicado este mês no Twitter, antes da decapitação de Foley, o rapper aparece segurando a cabeça de um militar leal ao regime de Assad.

Em uma de suas canções, de 2012, ele diz, em árabe: “É difícil progredir no futuro com um passado atrapalhado, mas ainda tento contar com minhas bênçãos e agradeço a Alá. Estou tentando tomar jeito, mas há sangue nas minhas mãos, e só posso tomar jeito quando tiver dinheiro no banco. Não consigo distinguir anjos de demônios. Meu coração está desintegrando. Não tenho sentimentos normais”.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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