Produtos brasileiros ainda empolgam

Iraquianos lembram com saudades dos frangos e dos Passats, e consomem açúcar do Brasil

BAGDÁ – “Brasili u bes”. Só dá Brasil. Os colantes de propaganda dos Passats brasileiros, chamados no Iraque de “Brasili”, ainda estão nos vidros de muitos desses carros que circulam em abundância pelas ruas de Bagdá. Entre 1984 e 88, o Brasil vendeu 188 mil Passats para o Iraque. Muitos deles ainda em bom estado, esses carros são a forma mais visível do imenso carinho e respeito que os iraquianos ainda nutrem pelo Brasil e pelos seus produtos, depois de 13 anos de embargo econômico.

Outro bom exemplo é o frango brasileiro. Durante a guerra Irã-Iraque (1980-88), o Brasil exportou para os iraquianos entre US$ 135 milhões e US$ 150 milhões de carne de frango congelada. Um dos protagonistas desse negócio foi o atual ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, à frente da Sadia. A partir de 1989, sob pressão dos Estados Unidos e França, que o apoiaram no esforço de guerra, o Iraque passou a substituir o frango brasileiro pelo desses países. Os consumidores iraquianos, acostumados à tenra carne brasileira, protestaram, considerando as outras de pior qualidade. No regime de Saddam Hussein, no entanto, não era o freguês quem tinha razão.

A boa reputação dos produtos brasileiros se estende a outros produtos, como o açúcar – ainda consumido no Iraque, no âmbito do Programa Petróleo por Comida, da ONU -, a carne bovina enlatada, o café em grão e o solúvel. Sem falar no equipamento bélico, que o Brasil também exportou para o Iraque nos anos 80.

O fim da guerra – que trará gradualmente o fim do embargo econômico imposto em 1990, quando o Iraque invadiu o Kuwait – abre grandes oportunidades de negócios. Não só no comércio. Mais imediatamente, há muitos contratos a serem disputados na recuperação do que foi destruído na guerra e do que se tornou obsoleto ao longo de 13 anos de embargo.

Não há cálculos precisos sobre o volume potencial de contratos, mas ele está na casa das dezenas de bilhões de dólares. Os pilotos americanos procuraram não destruir mais que o necessário, seguindo a regra da loja chinesa: you break, you pay – quebrou, pagou. Mas todos os ministérios – com a intrigante exceção do do Petróleo – e outros prédios públicos, palácios de Saddam e grandes edificações privadas, como shopping centers e supermercados, as torres de telefone, televisão e eletricidade, pontes e trechos de estradas foram semidestruídos ou avariados. Nessa área, o Brasil também goza de reputação.

A grandes empreiteiras brasileiras ajudaram a expandir a infra-estrutura iraquiana nos anos 80, em obras ligadas à produção de petróleo, pontes e estradas, como os 551 quilômetros de rodovia duplicada que ligam a fronteira da Jordânia a Bagdá. A Braspetro, subsidiária da Petrobrás no exterior, descobriu, no início da década de 80, o maior campo de petróleo do Iraque, em Majnun, no sul, que nunca foi explorado.

Depois da Guerra do Golfo (1991), o governo iraquiano consultou a Petrobrás sobre seu interesse de explorar o campo, sobre o qual tem precedência, como sua descobridora. Diante da falta de interesse brasileiro, o Iraque fechou acordo com a companhia russa Lukoil para explorar o campo.

Em tese, agora, as companhias americanas podem ter precedência, embora Ahmed Chalabi, escolhido pelos EUA para liderar a transição iraquiana, tenha dito que o país vai honrar seus contratos. De qualquer maneira, seria um bom momento para a Petrobrás reivindicar alguma porcentagem em royalties sobre a produção desse campo, na qualidade de sua descobridora.

Em tudo isso, há um problema. Antes da guerra, o governo brasileiro, sem que lhe perguntassem a opinião, voluntariou-se a se manifestar contra a intervenção militar americana, criando caso com americanos e britânicos – e com o futuro governo iraquiano.

Na sexta-feira, quando o Estado lhe perguntou como o futuro governo trataria comercialmente países como a Alemanha, a França e o Brasil, que se opuseram à iniciativa para derrubar Saddam, Chalabi disse que “os iraquianos não estão contentes com esses países”, num sinal explícito de que a regra do “para os amigos, tudo” será cumprida à risca. Como aliás foi no Kuwait, cujos contratos de reparação da infra-estrutura no pós-guerra foram distribuídos aos países proporcionalmente a sua participação na ampla coalizão que expulsou as tropas iraquianas do emirado.

Há 14 anos o Brasil não tem embaixador no Iraque, como acontece aliás com muitos países, que se retiraram depois da invasão do Kuwait, em agosto de 1990 (o do Brasil saiu um pouco antes, em 1989). Se quiser ter algum papel nos contratos de serviços e no comércio que se abrirão para o mundo, talvez seja hora de começar a se mexer. Em Bagdá e, claro, em Washington.

 Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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