Saída política pode ganhar força no Iraque

Se Al-Qaeda se enfraquecer e segurança aumentar, o governo iraquiano pode mobilizar apoio, afirma especialista

A operação que resultou na morte do líder da Al-Qaeda no Iraque, o jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, é um sinal de que o serviço de inteligência americano finalmente conseguiu infiltrar-se na organização terrorista. Com sua morte, o núcleo da estrutura de operações por ele montada tende a afrouxar-se. Há chances de que as condições de segurança no Iraque melhorem e, com elas, a capacidade do governo iraquiano de mobilizar apoio ao processo político. A análise é de Mustafa Hamarneh, diretor do Centro para Estudos Estratégicos da Universidade da Jordânia, em Amã. Harmaneh, um dos mais conceituados analistas da região, concedeu a seguinte entrevista ao Estado, pelo telefone.

Quais as conseqüências da morte de Zarqawi?

Em primeiro lugar, ela demonstra que finalmente há uma boa infiltração da inteligência nessa organização. Espera-se que eles sejam capazes de infiltrá-la ainda mais, causar mais danos e dificultar as suas operações. Por outro lado, as chances de uma melhora na segurança são muito boas. Com isso, o governo iraquiano poderia mobilizar mais forças em apoio ao processo político.

Zarqawi era tão importante quanto parecia ser?

É o que vamos descobrir agora. Ele tinha as credenciais de guia da organização no Iraque. O núcleo de toda a estrutura de operações que ele montou se afrouxa agora. Mas o importante é que as pessoas no Iraque possam fazer a distinção entre resistência à ocupação estrangeira, de um lado, e a mera matança, ódio e fanatismo, de outro. Ainda não sabemos que impacto a morte dele terá sobre todo o antiamericanismo e basicamente sobre essa completa bagunça em que se converteu o Iraque.

E quanto à Al-Qaeda? Qual a importância dela no Iraque?

Na verdade, não sabemos. Os americanos e o governo iraquiano defendem a tese de que o que tem acontecido no Iraque tem sido causado por elementos estrangeiros (como a Al-Qaeda). Mas nos sucessivos ataques ocorridos em Baquba e noutros lugares, muito poucos estrangeiros foram capturados, apesar das enormes operações militares. Há outros elementos (locais) lutando no Iraque neste momento.

Qual o papel da divisão entre sunitas e xiitas?

Essa divisão sempre existiu, como aquela entre católicos e protestantes ou ortodoxos, dentro do cristianismo. Mas esse negócio do incitamento ao ódio foi realmente criado por elementos de fora do Iraque, como a Al-Qaeda de Zarqawi. Espera-se que com a morte dele esse campo irracional tenha perdido o seu principal porta-voz e líder, que os elementos moderados dentro de todas as comunidades prevaleçam.

Qual tem sido o papel do Irã?

O Irã tem interesse em criar uma situação complicada para os americanos. Tem milícias aliadas. Fornece armas, apoio e treinamento para forças antiamericanas e antialiadas. Mas não creio que tenha atacado sunitas nem instigado a divisão entre eles e os xiitas.

Há alguma chance de o Iraque voltar a ser uma nação?

Claro. Acho que para isso é preciso reconstruir o mais rápido possível o aparato de segurança. E depois a infra-estrutura. Com isso, se terá feito o alicerce para erguer de novo uma nação iraquiana. O problema é que o Iraque carece de liderança com visão e com culhões. Os americanos transformaram toda a situação numa bagunça e continuam fazendo confusão. E há de fato um problema regional que está afetando o Iraque, que é o conflito árabe-israelense. Todos aqueles que se indignam com as políticas israelenses patrocinadas pelos EUA desejam que os americanos sofram ainda mais no Iraque.

Por agora, os americanos têm de ficar no Iraque?

Eles têm de ficar, mas têm de mudar suas políticas. Precisam ser mais razoáveis, e atuar menos como uma força de ocupação. Precisam recuperar as cidades, criar instituições nacionais, atuar no conflito árabe-israelense de forma séria e equilibrada. Precisam melhorar as condições de segurança para poderem extrair petróleo. São necessários cerca de US$ 12 bilhões para dar um upgrade nas tecnologias de perfuração e extração de petróleo, para que se possam começar a produzir 6 milhões de barris por dia. Com a receita desse petróleo, o Iraque pode se recuperar rapidamente.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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