Abbas proíbe milícias do Hamas

Novo governo do Fatah toma posse, mas decisão do presidente palestino agrava o conflito com a facção rival

RAMALLAH – Antes de dar posse a um “governo de emergência” em Ramallah, formado apenas por ministros considerados independentes, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, assinou ontem um decreto banindo os grupos armados subordinados ao movimento fundamentalista Hamas. A decisão aprofunda o conflito entre a facção secular Fatah, liderada por Abbas, e o Hamas, que a derrotou militarmente na Faixa de Gaza e cujo líder, Ismail Haniyeh, ainda se considera primeiro-ministro, apesar de destituído pelo presidente.

Num gesto para mostrar que o Fatah não está lutando por cargos, Abbas nomeou 11 ministros – incluindo duas mulheres e dois cristãos – sem filiação partidária, chefiados por Salam Fayyad, ex-economista do Banco Mundial. Reconhecido pelo Ocidente como tecnocrata independente, Fayyad acumulará os ministérios das Finanças e das Relações Exteriores. A exclusão do Hamas (vencedor das eleições de 2006) do governo abre caminho para a retomada da ajuda internacional e do repasse da receita de impostos por Israel.

O decreto se aplica aos milhares de homens armados da Força Executiva – criada pelo Hamas depois de sua vitória na eleição de janeiro do ano passado, diante da manutenção do monopólio do Fatah sobre as forças de segurança estatais -, e também às diversas milícias subordinadas ao grupo fundamentalista. O decreto tem como base o estado de emergência declarado por Abbas na quinta-feira, quando o Hamas concluiu a tomada da Faixa de Gaza, expulsando as forças do Fatah de todas as suas bases.

Fayyad declarou que a prioridade do governo será restabelecer a ordem. Dirigindo-se aos palestinos da Faixa de Gaza, ele disse: “Vocês estão nos nossos corações e no topo de nossa agenda. As imagens sombrias, os atos vergonhosos, estranhos a nossas tradições, não vão nos deter.” Mais de cem pessoas foram mortas durante a tomada das instalações militares e policiais da Autoridade Palestina pelo Hamas, na semana passada.

Depois da posse, Saeb Erekat, chefe da delegação de negociadores palestinos com Israel, veio conversar com os jornalistas no pátio do Mukata, a sede da presidência palestina. “Vocês viram quem estava sentado na cadeira de Abu Mazen (nome de guerra de Abbas)”, disse ele, referindo-se às imagens de homens encapuzados empunhando fuzis no gabinete do presidente em Gaza. “Um grupo de gângsteres que conseguiu destruir nossa infra-estrutura de segurança.”

Ele atribuiu a derrota à “destruição sistemática” do aparato de segurança da Autoridade Palestina por Israel nos últimos cinco anos. “Hoje é o pior dia para o povo palestino desde 1967”, sentenciou, referindo-se à Guerra dos Seis Dias, quando Israel ocupou Jerusalém Oriental, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. “Estou com o coração partido de ver o meu sonho e de meus filhos, o Estado palestino com Jerusalém como capital, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza unificadas, regredir décadas.”

Em Gaza, Haniyeh, o primeiro-ministro destituído do Hamas, disse que “o Conselho de Ministros considera que as medidas adotadas pelo presidente não têm base legal alguma”. Assim como o Fatah destituiu as autoridades do Hamas e expulsou seus funcionários das repartições do governo na Cisjordânia, o Hamas substituiu os comandantes das forças de segurança em Gaza por homens de sua confiança. “Infelizmente o Fatah está envolvido na conspiração americano-israelense, junto com alguns grupos árabes, para derrubar o Hamas”, acusou o porta-voz do grupo, Sami Abu Zuhri. “O Hamas tem ligações e raízes nos corações dos palestinos, e a resistência não pode ser contida.”

A Faixa de Gaza, onde vive 1,4 milhão de palestinos, corre o risco de desabastecimento. As fronteiras com Israel e Egito estão fechadas. O fornecimento de gasolina foi interrompido, por ordem do Exército israelense à distribuidora Dor Alon. Segundo o Exército, o motivo é que ninguém se responsabilizou pelo pagamento. O combustível para os geradores de energia continua sendo entregue porque a União Européia garantiu o pagamento. “Gaza vai ficar na escuridão e sem carros”, previu o funcionário de um posto de gasolina. “Bem-vindo ao estilo de vida taleban.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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