“Autonomia palestina não é solução final”

Para vice-chanceler palestino, não importam atitudes recentes da OLP, mas o conteúdo das negociações de paz

TÚNIS — Falar de posições, pretensões e atitudes que a OLP teve ou adotou até recentemente não passa de um exercício de “trivialidade”: o que importa, agora, são as negociações de paz regional iniciadas sob os auspícios dos EUA e da Rússia, e que prosseguem esta semana em Washington. Ao menos é isto o que defende vigorosamente Abdul-Latif Abu Hijle — nome de guerra Abu Jaafar —, diretor-geral do Departamento Político da OLP e vice do chanceler Faruk Kadumi (que, no momento da entrevista, estava em Nova York). Abu Jaafar falou ao Estado na chancelaria da OLP, instalada num sobrado em um bairro residencial de Túnis.

Estado – Quais as diferenças de propostas entre Israel e os palestinos na mesa de negociações?

Abu Jaafar – A distância entre as visões de ambas as partes é muito grande. Temos diferentes visões sobre a autoridade do governo interino e sobre as eleições. Além da questão da autoridade e do grau de soberania sobre os territórios e os recursos, há ainda o complexo problema de Jerusalém, declarada capital tanto de Israel quanto do Estado palestino. Israel considera Jerusalém parte indivisível de seu território, enquanto que as Nações Unidas, o Conselho de Segurança e todas as resoluções internacionais a consideram parte dos territórios ocupados desde 1967.

Estado – A dissolução do bloco soviético foi um retrocesso importante no apoio à OLP?

Abu Jaafar – Sim, foi um retrocesso para muitos países, principalmente do chamado Terceiro Mundo; foi um retrocesso para os movimentos nacionais; e para os soviéticos mesmos. A OLP tinha ajuda e apoio político da URSS, enquanto superpotência.

Estado – Em vista disso, a OLP se esforça por se reaproximar dos EUA?

Abu Jaafar – Estamos sempre nos esforçando para nos aproximar dos EUA, não só agora, mas há muito tempo. Conseguimos um acordo para um diálogo sério com os EUA (por 18 meses entre 1989 e 90). Devo dizer que esse diálogo, que não durou muito, produziu um melhor entendimento entre as partes, mas infelizmente o governo americano usou um pretexto falso (o ataque frustrado a uma praia israelense, em março de 1990, por uma facção da OLP comandada por Abul Abbas) para congelá-lo.

Estado – O que levou os EUA a pôr fim ao diálogo com a OLP, na sua opinião?

Abu Jaafar – Parece que eles já estavam se preparando para o processo de paz, e queriam manter a OLP de fora. Começaram a negociar com pessoas de dentro dos territórios ocupados, de modo que a OLP não fosse incluída. Mas eles sabem, como todo mundo, desde que o processo começou, que na prática a OLP é a parte envolvida, que os membros da delegação foram indicados pela OLP, que os delegados fazem contatos diários com a OLP durante as negociações, que vêm aqui a Túnis para tratar com a direção da OLP. Antes de você chegar, eu estava lendo uma entrevista com o sr. Rabin, e lhe perguntaram isso. Ele respondeu: “Estou negociando com os palestinos dos territórios ocupados, mas com quem eles têm contatos, não me importa.” Ele sabe que na prática Arafat está conduzindo a parte palestina no processo, e os americanos também.

Estado – Como estão os contatos com a Síria acerca de um possível acordo em separado com Israel?

Abu Jaafar – Temos com a Síria certo nivel de coordenação sobre as negociações de paz. Muitos problemas entre Síria e Israel ainda não foram resolvidos. Posso dizer que a atmosfera é menos tensa do que antes, mas há um pouco de exagero nisso. Para nós, seria uma derrota se a Síria fizesse um acordo separado com Israel. Portanto, é algo que nos preocupa, mas não creio que nossos irmãos sírios deixarão os palestinos sozinhos.

Estado – E a idéia de confederação entre palestinos, Jordânia e lsrael?

Abu Jafaar – O Conselho Nacional Palestino aprovou uma confederação entre o Estado palestino e a Jordânia. Não há nada nesse sentido em relação a Israel.

Estado – A exigência de um Estado palestino com capital em Jerusalém, longe de se concretizar, não parece uma insistência no legalismo, em detrimento do realismo?

Abu Jaafar – Os israelenses impuseram muitas coisas, pela força, esperando que o mundo endossasse sua falsa legalidade. Vamos deixar de lado Jerusalém como capital do Estado palestino. Jerusalém Oriental foi ocupada em 1967 ao mesmo tempo que outras partes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, e está claramente incluída em todas as resoluções da ONU e de seu Conselho de Segurança. Nenhum dos patrocinadores do processo de paz — EUA e Rússia — reconhece a anexação de Jerusalém por Israel. E a carta-convite à Conferência de Madri pede que deixemos Jerusalém de fora das negociações. Depois da retirada israelense, estaremos livres para torná-la nossa capital. Esta é uma questão secundária. A questão essencial é que Israel tem de se retirar.

Estado – Depois de esperar quatro décadas para aprovar o Plano da Partilha da Palestina (proposto em 1948 e aceito em 1988), a OLP não estaria cometendo novo erro ao insistir num Estado no momento em que se oferece autonomia concretamente?

Abu Jaafar – Aqui há realmente um mal-entendido. A OLP está engajada no processo de paz, cujo mecanismo prevê um período transitório de cinco anos. No final do terceiro ano, as negociações começariam acerca do status final. Portanto, a autonomia não é a solução final, e nós aceitamos e estamos negociando para obter isso. Nós declaramos e muitos países reconhecem oficialmente que nosso objetivo final é estabelecer um Estado independente —não no período transitório, mas depois —, e esse é nosso direito de autodeterminação. Nada no processo contradiz esse objetivo. Portanto, você pode me dizer onde está o erro?

Estado- Muita gente acha que ainda falta pragmatismo à OLP.

Abu Jaafar – Acho que você está enganado, e digo isto baseado em fatos concretos. A OLP tem sido a parte mais pragmática do Oriente Médio.

Estado – Desde quando?

Abu Jaafer – Não interessa. Estamos falando sobre o presente. E há um reconhecimento em todo o mundo do pragmatismo da OLP.

Estado – Recusar-se, por exemplo, a condenar a invasão da praia em Tel-Aviv, sob pena de perder o diálogo com os EUA, conforme determinava o Congresso americano, foi pragmático?

Abu Jantar – Isto já é uma provocação. Estou falando de coisas importantes e você me vem com trivialidades? Estou falando da atualidade e você me vem com história?

Estado – Para o sr., 1990 é história?

Abu Jaafar – É claro que sim. Depois das dramáticas mudanças que ocorreram nesse período, depois de Madri, isso é passado.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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