Casa abriga filhos de mortos no conflito

Como vivem 50 crianças e jovens, órfãos dos “mártires da revolução”, sob proteção da OLP

TÚNIS — “Israel não vai nos dar nada.” O sorriso de Hehrui Freje, 18 anos, destoa do olhar amargurado que exibe quando fala das atuais negociações de paz para o Oriente Médio. “É perda de tempo.” Seu pai foi morto em 1974 e seu irmão, em 1987 — ambos em confronto com as forças israelenses. Freje se apressa a dizer que essa é sua opinião, não necessariamente igual à dos outros moradores de Beit al-Sumud, orfanato mantido pela OLP em Túnis para “os filhos dos mártires da revolução”: 50 palestinos de 7 a 18 anos.

Seu amigo Fred al-Kurdi, 17 anos, pensa mesmo diferente: “Acho que vai dar resultado.” Se der, tanto ele quando o amigo voltarão para a Palestina. “É o nosso lugar, explica Freje. Sua mãe e duas irmãs ainda vivem em Beirute, para onde foram quando ele tinha seis anos. Freje foi para o orfanato dois anos depois.

Beit al-Sumud (Casa da Resistência) foi fundada em 1976 em Beirute, transferida para Damasco e finalmente instalada em Túnis em 1982, num prédio doado pelo governo tunisiano.

Kurdi e Freje estão de malas prontas: junto com outros quatro adolescentes, concluíram o segundo grau na Escola Al-Quds e todos têm universidade assegurada no exterior. Freje vai estudar ciências políticas e quer voltar e trabalhar para a OLP. Kurdi fará o curso de administração e depois pretende trabalhar em empresas privadas de Túnis.

Kurdi, cuja família é de Acre (norte de Israel, nasceu em Jeddah (Arábia Saudita). Aos dois anos, foi para Beirute; em 1982, depois da morte dos pais na invasão israelense, foi com a irmã Rana para Damasco, onde uma tia os entregou à OLP, que os trouxe a Túnis.

As contingências e oportunidades tornam esses jovens cosmopolitas. Rana é um caso típico. Aos 19 anos, já visitou Egito, Alemanha, Áustria e Suíça, em programas oficiais ou a convite de famílias. Agora, vai estudar química em alguma universidade francesa, ainda não sabe qual. Antes, terá um ano de francês.

“Quero paz para todo o mundo.” A frase tem um sabor especial dita por Zoubaida al-Khatib, de 17 anos, que teve os pais mortos quando era recém-nascida, no campo de refugiados de Tal-Zaatar, em Beirute. O irmão, que nunca mais viu, ainda vive no Líbano, para onde ela quer ir, se não for para a Palestina, “quando houver paz”. Sua família é do porto israelense de Haifa. Zoubaida acaba de voltar de sua segunda viagem para a Itália.

Dina Mutlak Jumaa, também de 17 anos, passou uma semana na França em maio. Vai estudar francês, italiano, alemão e inglês em Montpelier. Depois, deve ir para Damasco, onde moram a mãe e três irmãos. A família de Dina também é de Haifa, e o pai foi morto em Beirute.

“É claro que não são crianças como as outras”, diz a diretora Rabiha Tirawi, 45 anos. “Os que viveram com suas famílias e se lembrar dos pais jamais sentirão aqui a proteção que tinham, e em algum momento se dão conta de que estão sós.” Conta que uma vez um menino de sete anos lhe perguntou: “O que vai acontecer com a gente se a revolução não der certo, se Abu Ammar (Arafat) morrer?”

Quatro mulheres acompanham diretamente as crianças e adolescentes em Beit al-Sumud, que também tem um médico e uma enfermeira. A vida é a mais normal possível: eles têm seu próprio dinheiro e podem sair à vontade, segundo a diretora.

A atual geração de Beit al-Sumud vem basicamente da invasão e ocupação israelense do Líbano (1982-85), para onde foram milhares de palestinos depois da guerra de 1967 e do Setembro Negro promovido na Jordânia pelo rei Hussein, em 1970. Seu símbolo são duas meninas e três meninos, chamados “os sobreviventes de Sabra e Chatila”, campos de refugiados de Beirute atacados — com a conivência de tropas israelenses — pelos falangistas cristãos, que ali procederam a um sistemático massacre de 16 a 18 de setembro de 1982.

Essas cinco crianças, então recém-nascidas, foram encontradas nos barracos por membros das agências humanitárias que entraram nos campos de refugiados depois do massacre. Escondidas provavelmente por seus pais, antes de serem mortos, elas passaram despercebidas dos falangistas, autores da matança. Hoje, todas levam o sobrenome Yasser Arafat, e são objeto de especial atenção do líder palestino, um solteirão, quando visita o orfanato.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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