História dos judeus no País remonta a Cabral

O intérprete Gaspar da Gama veio na caravela do descobridor  do Brasil

 O primeiro judeu a pisar no Brasil veio na caravela de Pedro Álvares Cabral. Era Gaspar da Gama, o “língua”, que é como se chamavam os imprescindíveis intérpretes das expedições dos descobridores. O primeiro contrato de exploração da madeira brasileira foi firmado com um grupo de judeus em 1503, quando as atenções comerciais do rei d. Manuel ainda estavam voltadas para a Ásia.

Foram judeus que trouxeram as primeiras mudas de cana-de-açúcar da Ilha da Madeira e de São Tomé para o Brasil. A partir daí, participariam ativamente de todos os ciclos econômicos da colônia. Assim, não há exagero algum em dizer que a história dos judeus no Brasil se confunde com a História do Brasil.

No período que vai do descobrimento do Brasil até o início do século 19, quando a Inquisição portuguesa finalmente foi desativada, os judeus não são conhecidos como judeus, mas como “cristãos-novos”. Isso porque, cinco anos depois de terem sido expulsos da Espanha, em 1492, e de terem fugido em massa para Portugal, os judeus foram forçados a se converter ao catolicismo, pelo rei d. Manuel.

Entretanto, em 1536, foi criado o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em Portugal, que confiscou os bens, torturou e lançou à fogueira os descendentes de judeus convertidos ao cristianismo – os cristãos-novos – acusados de continuar professando o judaísmo.

Com a perseguição na Península Ibérica, o Brasil surgiu como grande alternativa para os cristãos-novos. De acordo com a historiadora Anita Novinsky, da USP, a maior especialista em cristãos-novos, no início da colonização “os navios que aportavam às terras brasileiras, duas vezes ao ano, traziam praticamente só judeus e degredados”.

Foram esses judeus que constituíram “os primeiros elementos populacionais brancos do Brasil”. E introduziram a agricultura e a indústria na colônia. O mais antigo núcleo de cristãos-novos de que se tem notícia no Brasil se instalou em São Vicente, onde começou a cultivar a cana-de-açúcar e a industrializá-la.

Os cristãos-novos espalharam-se pelo Brasil junto com o ciclo da cana-de-açúcar, no que hoje são os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba e Bahia. No início do século 17, pelo menos 60% dos engenhos de açúcar da Bahia pertenciam a cristãos-novos. Nessa época, o Brasil era o maior produtor de açúcar do mundo.

Já dentre os bandeirantes havia muitos cristãos-novos, como o célebre Antonio Raposo Tavares. A madrasta que o criou foi presa pela Inquisição em Lisboa e o pai fugiu com ele e um irmão para o Brasil. O filho de Fernão Dias Paes, Garcia Rodrigues Paes, que abriu uma rota para Minas Gerais, recebeu do rei o título de governador de Minas, mas teve recusado o pedido para ingressar na Ordem de Cristo, porque sua mãe era judia.

Mas os bandeirantes, em geral, não foram perseguidos pela Inquisição portuguesa porque não tinham riquezas para ser confiscadas, segundo a professora Novinsky, que sustenta que o Santo Ofício era, acima de tudo, uma empresa, e, como dizia o padre Antonio Vieira, uma indústria para “fabricar” judeus. O primeiro inquisidor enviado de Portugal chegou ao Brasil em 1591, quando a riqueza advinda da cana-de-açúcar “já compensava”. Pelo mesmo motivo, as perseguições intensificaram-se no ciclo do ouro, no século 18, quando os cristãos-novos povoavam Minas Gerais e Goiás.

O viajante francês François Froger, que esteve no Rio em 1695, ao referir-se ao fato de ter tido de negociar com o governador e ceder nos preços, escreveu: “O que demonstra a má-fé dessa nação, onde mais de três quartos são originalmente judeus…”

Na primeira década do século 18, o Tribunal do Santo Ofício tinha registrados mais de mil cristãos-novos no Rio de Janeiro, que contava, então, cerca de 20 mil habitantes, segundo pesquisas recentes, realizadas pela historiadora Lina G. Ferreira da Silva, autora de Heréticos e Impuros.

Considerando que apenas um quarto da população era branca, ou seja, cerca de 4 mil pessoas, os cristãos-novos denunciados ou presos representavam 25% dos brancos do Rio. No total, 21 cristãos-novos brasileiros foram queimados pela Inquisição.

Anita Novinsky explica que não foi apenas a perseguição que impulsionou a vinda dos judeus, mas também o espírito empreendedor: “As novas oportunidades econômicas que se descortinaram com a descoberta da América ofereceram aos cristãos-novos amplas oportunidades para suplantar as restrições que o regime português lhes impunha.” Segundo a historiadora, “homem de negócios” e “judeu” passaram a ser sinônimos.

Da quarta geração em diante, grande parte dos cristãos-novos já havia perdido os vínculos com a religião judaica e estava inteiramente aculturada.

Os cristãos-novos do Brasil distinguem-se dos judeus que emigraram para o norte da Europa e o Oriente Médio, onde se reconverteram ao judaísmo. Aqui, ao contrário, o judeu “miscigenou-se com a população nativa, criou raízes profundas na nova terra, integrando-se plenamente na organização social e política local”, escreve Novinsky, em Cristãos Novos na Bahia.

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