Implacável, Hamas confisca bens de suas vítimas em Gaza

Viúva de agente do serviço de inteligência da AP diz pretender voltar para o território, apesar de ameaças

RAMALLAH – Eram 13h30 do dia 15 de setembro, quando Jad al-Tayeh, responsável por relações internacionais do Mukhabarat, o serviço secreto palestino, saiu de seu escritório em Gaza para ir almoçar em casa. Um carro bateu no dele. Al-Tayeh desceu, pensando ser um acidente de trânsito. Quando viu os homens das Brigadas Ezzedine al-Qassam, o braço armado do Hamas, sacou a pistola. Conseguiu dar três tiros, ferindo dois milicianos, antes de cair morto.

O motorista de Al-Tayeh pediu que o poupassem, dizendo que era pai de família, mas também foi executado. Dois guarda-costas e um amigo que estavam no carro ficaram feridos. A cena ocorreu na frente da casa do líder do Hamas, o primeiro-ministro (destituído na semana passada) Ismail Haniyeh.

Seus guardas apenas observaram. A viúva de Al-Tayeh, Samira, funcionária do gabinete do presidente Mahmud Abbas em Gaza, guardou na garagem o carro do marido, crivado de balas e manchado de sangue, como prova do crime.

Às 3h30 da madrugada de quinta-feira, quando o Hamas já havia tomado o controle quase total da Faixa de Gaza, sete homens encapuzados chegaram ao apartamento de Samira. Deram um tiro num retrato de Al-Tayeh, pegaram alguns objetos pessoais e disseram que iam ‘confiscar’ os dois carros na garagem.

Samira entregou a chave de seu carro, mas disse que o do marido não daria. Os homens avisaram que voltariam no dia seguinte. Na sexta-feira, vieram com um trator e arrastaram o carro da garagem.

Samira, que tinha uma permissão de Israel, válida por três dias, para deixar a Faixa de Gaza, achou que era hora de partir. Chegou ao posto de fronteira de Erez às 13h30 de sexta-feira, e só às 23h30 obteve autorização para entrar em Israel – que separa a Faixa de Gaza da Cisjordânia.

É o tempo que Israel leva para fazer as verificações de segurança antes de deixar passarem os pouquíssimos moradores de Gaza com permissão para vir para a Cisjordânia. Quase toda a população de 1,4 milhão da Faixa de Gaza não pode jamais sair do exíguo território, apelidado de ‘formigueiro humano’, ou de ‘prisão’.

Centenas de pessoas têm-se aglomerado perto da fronteira, pedindo para sair, mas só em casos de risco de morte (por doença ou pelo Hamas) Israel tem aberto exceções. Desde o início da ofensiva do Hamas contra o Fatah, há uma semana, apenas algumas dezenas de pessoas puderam sair.

Samira, de 40 anos, sem filhos, está hospedada na casa da irmã, em Ramallah. Mesmo sabendo que foi premiada pela sorte, diz que quer voltar para Gaza. ‘Não me importa o Hamas’, disse ela ontem ao Estado. ‘Não tenho nada a perder. Eles já mataram tudo o que eu tinha. Não quero que a memória do meu marido vá embora também.’

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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