Intifada e bloqueios estrangulam economia

Bom mesmo era durante ocupação israelense’, afirma fazendeiro da Faixa de Gaza

DEIR AL-BALAH, Faixa de Gaza – Abd Nasser Abu Assad tem 24 donums de terra (24 mil metros quadrados, ou 2,4 hectares) em Deir al-Balah, no sul da Faixa de Gaza. Para os padrões da região, é uma fazenda, na qual ele cultiva milho, tomate, berinjela, abobrinha e pimenta, usando estufas, irrigação e adubos. O tomate está passando da hora de colher, mas não tem compradores, e Assad já se resignou: “Vai se perder.”

Tudo parou desde que o Hamas lançou sua ofensiva contra o Fatah, há duas semanas. O posto de fronteira de Karni, no norte da Faixa de Gaza, cordão umbilical econômico do território com Israel, com a Cisjordânia e com o mundo, está fechado desde então. Mas, para o fazendeiro, os problemas vêm de antes. Desde que o Hamas venceu a eleição, em janeiro do ano passado, foi cortada a ajuda financeira internacional e o repasse da receita de Imposto sobre Valor Agregado que Israel arrecada dos palestinos e, com eles, os salários dos funcionários públicos, que representam um terço dos empregados na Faixa de Gaza.

Abu Assad vai mais longe ainda, no entanto. Seus problemas econômicos agudos começaram com a segunda intifada, em setembro de 2000. O que não quer dizer que estivesse bom na fase anterior, quando o processo de paz levou à instalação da Autoridade Palestina, primeiro em Gaza e Jericó, em 1994, depois também na Cisjordânia.

“Bom mesmo era durante a ocupação israelense”, recorda Abu Assad, sem nenhuma inibição. “Os distribuidores israelenses vinham até aqui comprar os meus produtos, e eu também levava para Israel na minha caminhonete. Podia dirigir daqui até Tel-Aviv.” Naquela época, ele estima que vendia US$ 10 mil por ano. “Hoje, não ganho nada”, diz o fazendeiro de 39 anos e seis filhos. O pessoal que cavou seu poço de 70 metros e instalou a bomba d’água está cobrando os 9.500 shequels (US$ 2.375) pelo serviço, e ele não tem de onde tirar.

A percepção de Abu Assad sobre o período da ocupação anterior à Autoridade Palestina (AP) é geral, e se aplica também à Cisjordânia. “Esse foi o impacto ‘positivo’, entre aspas, da Guerra de 1967”, explica o economista Omar Shaban Ismail, consultor em Gaza. “Cisjordânia e Gaza tornaram-se um só país. Tudo passou a ser Israel.”

O estabelecimento da AP desencadeou uma intensa entrada de dinheiro nos territórios. Entre 1994 e 2002, a comunidade internacional doou US$ 6,5 bilhões para projetos de infra-estrutura, assistência social e implantação do governo palestino. A partir de 2002, a assistência foi caindo ano a ano, chegando a US$ 340 milhões em 2005, por causa da falta de transparência no uso do dinheiro e da falta de reformas recomendadas pelos organismos internacionais. Até que, em 2006, com a eleição do Hamas, a ajuda foi cortada de vez.

Mesmo com essa intensa ajuda, o impacto econômico da segunda intifada foi brutal. Em 2000, o Produto Interno Bruto da Cisjordânia e de Gaza era de US$ 5,75 bilhões. Hoje, é de US$ 3,50 bilhões, o que representa uma queda de 40%. O desemprego na Faixa de Gaza oscila entre 40% e 45%; na Cisjordânia, entre 30% e 35%.

Os palestinos produzem verduras, frutas, flores, biscoitos, sorvetes, granito, mármore, vidro, porcelana, sapatos, confecções e móveis apreciados em Israel, na Europa, nos Estados Unidos e até no Brasil. “Os israelenses gostam da mão-de-obra palestina e há boas relações entre os empresários dos dois lados”, atesta Ismail.

A fábrica Bama (“Puma”, em árabe) é uma das três exportadoras de sapato em Hebron, na Cisjordânia. Ela fabrica 200 mil pares de sapatos completos por ano, e outros 500 mil pares de solas. Fornece 110 mil pares por ano para Israel, incluindo os coturnos usados pela polícia. Este ano, já vendeu 25 mil para os Estados Unidos, 12 mil para a Inglaterra, 10 mil para a Jordânia e 5 mil para a Arábia Saudita. Antes do fechamento de Karni, enviava 5 mil pares por mês para a Faixa de Gaza.

As exportações são feitas por meio de traders israelenses, e Sadeq Ebeido, dono da fábrica, não tem queixas: “Fazemos bons negócios com eles.” Os sapatos saem da fábrica e de Israel com preço fechado (um sapato de homem, por exemplo, sai por US$ 22) e não enfrentam tarifas de importação na União Européia, como parte de uma política para ajudar a economia palestina.

Mas segundo Ebeido, os melhores anos da empresa foram entre a fundação, em 1980, e o início da primeira intifada, em 1987. “Trabalhávamos em três turnos, 24 horas por dia.” A fábrica chegou a ter 470 empregados. Hoje, são 220, e apenas um turno de 8 horas. “Entre 1994 e 2000 foi razoável”, diz Ebeido. “Depois da segunda intifada, ficou ruim de novo.” Ele e o irmão, seu sócio, estão pensando em instalar uma fábrica na Jordânia, para escapar aos atropelos do conflito árabe-israelense. “As coisas aqui só têm piorado.”

Há três meses que a loja da fábrica de vidro e porcelana Al-Salam, em Hebron, não vê um turista. Até 1987, vinham 15 ônibus por dia visitar a cidade bíblica, conta Fariz el-Natche, cuja família está no negócio há 105 anos, desde o seu avô. “Depois da primeira intifada, eles nunca mais voltaram.” A fábrica se sustenta com vendas para o exterior. O irmão de El-Natche está no Brasil, participando de uma feira. “Sem isso, não teríamos o que comer.”

Para Johnny Canavati, dono de uma loja de souvenirs em Belém, os melhores anos foram entre 1997 e 2000, por causa das comemorações do segundo milênio de nascimento de Cristo. Vieram o papa, os presidentes dos EUA, da Rússia e da França e, com eles, muitos turistas. Canavati, de uma das cinco famílias cristãs de origem italiana em Belém, que provavelmente chegaram nas Cruzadas, está agora otimista. “A comunidade internacional apóia o novo governo, e isso é bom para nós”, diz ele. “Em três meses, veremos uma verdadeira mudança.”

Para que ela se reflitisse no resto da economia palestina, seria preciso abrir as fronteiras e os bloqueios militares israelenses. Do norte da Cisjordânia, a carne, frutas e vegetais saem baratos e chegam caros a Ramallah, por exemplo, por causa de todas as barreiras que têm de cruzar. “Depende do humor do soldado naquele dia”, descreve Jafar el-Sadaka, editor de economia do jornal El-Ayam, de Ramallah. “Se ele não quiser deixar passar, os produtos se perdem, e ninguém responde por isso.” Ele estima que entre 100 e 150 fábricas tenham fechado as portas ou reduzido sua produção para menos da metade desde o início da segunda intifada (2000).

Youssef al-Makadma tem uma fábrica de biscoitos em Deir al-Balah e uma de sorvetes em Khan Younis, também na Faixa de Gaza. De seus 250 empregados, que recebem diárias de 40 a 60 shequels (US$ 10 a US$ 15), 60 estão trabalhando e 90 estão em casa. “Israel nos matou ao fechar Karni”, diz Al-Makadma, que enviava diariamente 5 mil caixas de seus sorvetes e biscoitos Al-Arees (“O Noivo”) para a Cisjordânia.

“Os palestinos não precisam de ajuda”, conclui o economista Ismail. “Precisam é que os deixem trabalhar e vender. Se você coloca as pessoas numa prisão, tem de dar-lhes comida. Se as solta, elas se viram sozinhas.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*