Israel fica nos bastidores, para evitar atritos

País vai fornecer ajuda no campo da informação, mas não se engajará em combates

TEL-AVIV – Assim como há dez anos, quando o então presidente americano George H. Bush liderou a formação de uma coalizão de 30 países para expulsar as tropas iraquianas do Kuwait, Israel, o aliado mais próximo dos Estados Unidos na região, deverá ficar de fora, mais uma vez. Os israelenses não participarão com soldados nem aviões, mas estão entregando aos americanos algo mais precioso: tudo o que sabem sobre a rede internacional do terrorismo islâmico.

Não falta disposição israelense de participar do esforço militar. “Os Estados Unidos são nosso maior aliado desde a fundação de Israel, em 1948, e faremos qualquer coisa que os americanos pedirem”, disse ontem ao Estado Yarden Vatikai, assessor do Ministério da Defesa. À pergunta sobre se isso incluiria o empréstimo de bases aéreas, Vatikai foi enfático: “O que os americanos decidirem. Eles ainda não nos disseram o que querem.”

Israel deverá ser excluído das operações militares pelo mesmo motivo de dez anos atrás. Os Estados Unidos não podem prescindir do apoio maciço não só dos países árabes, mas dos muçulmanos em geral – e do Paquistão em particular. E ele é incompatível com a participação israelense. Uma das condições impostas pelo governo paquistanês para aceitar o pedido de cooperação dos Estados Unidos na ofensiva contra o vizinho Afeganistão foi a exclusão de Israel e da Índia – com a qual disputa o território da Caxemira.

Com sua habitual falta de senso de oportunidade, o primeiro-ministro israelense, general Ariel Sharon, manifestou a Bush na sexta-feira as objeções de Israel à inclusão da Síria e da Autoridade Palestina na coalizão antiterror, dada a complacência de ambos com o terrorismo islâmico. A conversa foi descrita pelo jornal israelense Haaretz, citando fontes americanas, como “dura e desagradável”.

O presidente americano aproveitou para reiterar que é do interesse dos Estados Unidos neste momento que Israel retome as negociações com os palestinos para pôr fim ao conflito, que serve de combustível ideológico para ações terroristas como a de que os americanos foram vítimas. A pressão surtiu algum efeito e Sharon, que havia proibido seu chanceler, Shimon Peres, de se reunir com o líder palestino Yasser Arafat, autorizou ontem o encontro, desde que, antes dele, transcorram 48 horas sem atos de violência dos palestinos contra os israelenses. Os confrontos continuaram no fim de semana, com mais mortos.

O gabinete israelense está dividido quanto à conveniência ou não do encontro, num dilema que ilustra bem a ambigüidade das situações de Israel e dos palestinos diante das conseqüências do ataque aos EUA: a linha dura teme “legitimar” Arafat, quando o momento é de provar que ele é comparável ao chefe terrorista Osama bin Laden, como insistiu Sharon nas conversas que teve com Bush. Já Peres e outros moderados temem que a recusa em negociar isole Israel como responsável pelo impasse.

Pelas características do inimigo e da missão que os Estados Unidos têm pela frente, a inteligência militar israelense, oferecida sem alarde, é muito mais valiosa do que qualquer apoio logístico-militar. “Essa não será uma guerra de aviões, mísseis e tanques, mas uma batalha no campo da inteligência, da diplomacia e do direito internacional”, diz Ron Ben-Yishai, especialista israelense em assuntos de defesa. “A força militar será aplicada apenas em casos extremos, contra países que abrigam terroristas.”

Israel, diz Ben-Yishai, “não precisa entrar em nenhuma coalizão: sua cooperação nessa área, não só com os EUA, mas com a Alemanha, Inglaterra, Turquia e até com alguns países árabes já é muito intensa”.

O jornal inglês The Sunday Telegraph noticiou ontem que dois agentes do Mossad, o serviço secreto israelense, foram enviados no mês passado aos EUA para alertar à CIA e ao FBI que uma célula terrorista com 200 membros estava preparando um ataque a locais de grande valor simbólico. “Eles não tinham informação específica sobre o que estava sendo planejado, mas vincularam o complô a Osama bin Laden e disseram que havia forte suspeita de envolvimento iraquiano”, disse ao jornal um alto funcionário israelense da área de segurança. O FBI revelou que estava investigando suspeitos nas vésperas do ataque.

Israel pode ajudar os EUA a evitarem a demora entre a informação e a ação, segundo Ben-Yishai. “Os israelenses têm uma avançada tecnologia de short loops”, termo técnico para a conexão entre inteligência e operação.

A participação ostensiva de Israel na coalizão não é relevante, na opinião de Yacov Keinan, embaixador israelense em Brasília entre 1995 e 2000. “Essa é uma ameaça que não pode ser contida por ação militar, até porque não se trata de um inimigo definido, mas de forças muito mais profundas que enfrentam a civilização judaico-cristã.” Keinan observa que “todas as sociedades árabes mais abertas, com anseio de melhoria, são ameaçadas pelos próprios povos”, e acha que é preciso fortalecer as “formas mais moderadas do islamismo”.

A tese segundo a qual se está diante de uma guerra da civilização contra a barbárie – entendida como o fundamentalismo islâmico – pode não ajudar os Estados Unidos no seu esforço de construir a coalizão mais ampla possível para asfixiar os grupos terroristas e isolar os regimes que os apóiam. “Não vamos descartar a participação de nenhum país na nossa luta contra o terrorismo”, disse, no sábado à noite, Brenda Greenberg, porta-voz do Departamento de Estado americano. Nem mesmo o Irã, cuja “resposta muito positiva aos ataques terroristas nos EUA e os sentimentos que ela desperta merecem ser explorados para ver se é possível uma cooperação na luta contra o terrorismo”.

Dessa vez, não houve iranianos gritando nas ruas “morte à América”. E o prefeito de Teerã telefonou ontem para seu colega de Nova York, para conversarem sobre o que aconteceu. São sinais das novas possibilidades que se abrem.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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