Jornalista é caçado pelo Hamas e foge da morte em Gaza

Diretor da TV Palestina conta ao ‘Estado’ como escapou para a Cisjordânia após seu apartamento ser incendiado

RAMALLAH – Eram 17 horas de quinta-feira quando Abdel Salam Abu Nada, diretor-geral da TV Palestina, recebeu a informação de que militantes do Hamas estavam indo para seu apartamento na Faixa de Gaza. Abu Nada, que morava sozinho, saiu com a roupa do corpo. Dez minutos depois, os militantes arrombaram a porta e atearam fogo no apartamento, incluindo toda a mobília nova que tinha comprado para receber sua mulher, que finalmente tivera autorização de Israel para se mudar de Nablus para Gaza, depois de dois anos e meio de casados. “Ainda não paguei os móveis”, diz o jornalista, que recebeu o Estado na casa de amigos, em Ramallah.

Três horas antes do ataque a seu apartamento, Abu Nada fora o último a sair da sede da emissora, que também foi invadida e teve seus carros e equipamentos confiscados pelo Hamas. O grupo pôs no ar sua própria TV há sete meses. “Fiquei escondido, mudando de lugar a cada duas ou três horas”, conta Abu Nada, cuja cabeça fora colocada oficialmente a prêmio na TV e na rádio do Hamas. No dia seguinte, sua ex-mulher telefonou avisando que o Fatah estava negociando para o Exército israelense deixar passar pela fronteira seus partidários ameaçados de morte em Gaza.

Abu Nada esgueirou-se pela estrada que leva à fronteira. Às 16 horas de sexta-feira, quando se aproximava do posto de Erez (abandonado pelos guardas da Autoridade Palestina e ainda não ocupado pelo Hamas), soldados israelenses que trabalhavam com tratores no local abriram fogo com metralhadoras na sua direção, temendo que se tratasse de um atentado.

Fragmentos dos projéteis feriram superficialmente sua perna esquerda. O jornalista de 49 anos rastejou nos 400 metros restantes, até entrar no posto de fronteira, um túnel de concreto hermeticamente protegido contra atentados. Ali dentro, ele esperou 12 horas, enquanto as autoridades palestinas e israelenses negociavam a passagem. Outros 30 membros do Fatah foram chegando aos poucos. Israel alegava “razões de segurança”.

“Não vou mentir, os israelenses nos trataram bem, nos deram comida”, diz Abu Nada, que como outros partidários do Fatah é acusado pelo Hamas de “colaboracionismo” em favor de israelenses e americanos. Finalmente, às 4h30 de sábado, um ônibus trouxe os fugitivos para Ramallah.

De seus três filhos, um se mudou há um mês para o Canadá, outro estuda no Marrocos e a terceira, que nasceu quando a família vivia em Malta, tem cidadania européia e se prepara para se mudar com o marido e a filha para a Europa. “Tive sorte”, avalia o jornalista, que há um ano e meio escapou de uma tentativa de seqüestro. “O Hamas não pôde me pressionar por meio dos meus filhos.”

Seu irmão mais velho, no entanto, foi seqüestrado há três semanas pelo Exército do Islã, segundo ele ligado ao Hamas, e que mantém um jornalista da BBC em cativeiro. Abu Nada diz que sua família teve de vender terras para pagar o resgate de US$ 700 mil.

Abu Nada teme pelo destino do Arquivo Nacional da TV Palestina – 7 mil fitas cassete com 30 anos de história do povo palestino, organizado por ele mesmo, com patrocínio do governo francês. Apenas mil dessas fitas têm uma cópia na outra sede da TV Palestina, em Ramallah. Em Gaza, onde estão 700 dos mil funcionários da emissora estatal, era produzida 70% da programação.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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