Obsessão israelense com a segurança cria falso dilema

Política de Netanyahu não afastou ameaças, mas tornou a paz mais distante

 Nestes 50 anos, Israel aprendeu a nutrir uma obsessão: a própria segurança.

Claro que essa é uma preocupação histórica do povo judeu, alvo de perseguições maciças em cada um dos séculos de sua longa história de 4 mil anos. No que se refere ao Estado judeu, a luta pela sobrevivência – a conotação mais radical que o termo “segurança” pode assumir – caracterizou sua própria criação: a primeira guerra de Israel foi a guerra de sua afirmação como Estado.

Seguiram-se mais quatro guerras, à razão de uma por década: a invasão do Egito, em 1956; o “ataque preventivo” ao Egito, à Síria e à Jordânia, em 1967; a defesa contra ataques simultâneos do Egito e da Síria, em 1973; e a invasão do Líbano, em 1982. Com todos os seus vizinhos árabes, Israel esteve tecnicamente em estado de guerra até 1979, quando firmou a paz com o Egito. Em 1994, faria o mesmo com a Jordânia. Faltam a Síria e o Líbano.

A ameaça à segurança de Israel assumiu também a feição da guerrilha. Até os anos 80, eram comuns os desembarques de comandos palestinos na costa israelense ou sua infiltração pelas fronteiras. Na segunda metade da década de 80, estabeleceu-se, acima da “zona de segurança” do sul do Líbano, o Hezbollah (Partido de Deus), grupo xiita financiado pelo Irã e auxiliado pela Síria, que lança mísseis Katyusha na Galiléia e operações de sabotagem contra os soldados israelenses e milicianos cristãos sustentados por Israel.

Uma terceira forma de ameaça é o terrorismo. Até os anos 80, as ações terroristas eram executadas por grupos palestinos no exílio – em geral dissidências da OLP – sustentados por países árabes. O mais célebre atentado desse tipo foi o seqüestro da delegação israelense nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Esses grupos seguiam o padrão clássico do terrorismo laico internacional.

O acordo de paz firmado entre Israel e a OLP abriu caminho para uma nova modalidade de terrorismo antiisraelense: os atentados suicidas, realizados por fanáticos islâmicos. Esses atentados são muito mais difíceis de evitar, dada a ousadia e coragem física de seus autores, que não estão preocupados com a própria segurança; e muito mais devastadores, porque os suicidas estão exclusivamente concentrados no objetivo de fazer o maior número possível de vítimas.

As origens da onda de atentados do Hamas e da Jihad Islâmica contêm duas grandes ironias, no que concerne os dilemas de segurança de Israel. No início da intifada, os dois grupos foram incentivados por Israel, que os via como desafio à liderança da OLP. Mais tarde, conceberam a estratégia dos atentados suicidas e receberam treinamento e aperfeiçoamento técnico para eles durante o período em que 418 palestinos, na maioria militantes, expulsos por Israel em dezembro de 1992, ficaram acampados no sul do Líbano.

Ali, conviveram com os guerrilheiros do Hezbollah, aprenderam a manusear bombas e integraram-se à rede do terrorismo islâmico internacional. Assim, uma medida tomada pelo primeiro-ministro Yitzhak Rabin, com o objetivo de conter a onda de ataques com armas brancas de militantes islâmicos contra colonos judeus nos territórios árabes ocupados, acabou lançando a semente de um novo tipo de ameaça, bem mais letal.

A segunda ironia está no fato de que as condições políticas para o início dos atentados foram dadas pelo acordo de paz com a OLP. A liderança palestina teve de abrir mão de princípios caros à causa. Até então, a orientação era não negociar a paz em troca de retiradas israelenses graduais ou parciais. As condições, diziam os líderes palestinos, eram aquelas das Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU: retirada imediata e incondicional.

O pragmatismo de Arafat chocou muitos palestinos. Esse choque, combinado, no decorrer do tempo, com a falta de melhorias concretas da qualidade de vida nos territórios ocupados, converteu-se em frustração e ressentimento. Enquanto isso, o Hamas expandia-se nos territórios, por intermédio não só de pregadores fundamentalistas nas mesquitas, mas também de uma rede de assistência social, que inclui postos de saúde e escolas e é identificada, por muitos palestinos das favelas de Gaza e da Cisjordânia, como únicos núcleos de assistência social. A empatia completa-se com a promessa de vida eterna no paraíso, em troca da morte de “infiéis”.

No calor dos atentados, do pânico e da divisão que eles semearam na sociedade israelense, deu-se um fato extraordinário na história do povo judeu: o assassinato de um governante judeu por outro judeu – e, o que é mais excepcional ainda, por motivação de origem pretensamente religiosa.

O fato de aos acordos de paz se terem seguido, primeiro, uma sensação de maior insegurança do que antes e, segundo, o assassinato de Rabin, sugeriu, para muitos israelenses, que havia algo de profundamente errado com esse processo.

O Likud foi o que soube melhor aproveitar essa percepção – uma vez passadas a comoção inicial, que alimentou uma simpatia para com os trabalhistas, e as acusações contra a direita, de haver incitado o assassinato de Rabin. O Likud levou a maioria dos israelenses a crer que lhe cabia escolher entre segurança e paz. O primeiro valor pareceu mais primordial.

Para muitos, a tese trabalhista, de que uma não existe sem a outra, parece ter soado abstrata demais, naquele contexto. O primeiro-ministro Binyamin Bibi Netanyahu foi eleito e o previsível aconteceu: os atentados suicidas continuaram. O impasse que se seguiu, no processo de paz, reduziu, incialmente, a ação do Hamas e da Jihad, que se nutre da rejeição a esse processo.

Entretanto, não demorou muito e a política de expansão judaica em Jerusalém Oriental reavivou a revolta palestina contra Israel. Hoje, para muitos israelenses, talvez esteja claro que a escolha entre segurança e paz os enredou num falso dilema.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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