Palestinos lamentam atentados, mas os justificam

Confinamento, falta de perspectivas e disputa por espaço vital fomentam o terrorismo

BELÉM – “Nós ficamos felizes quando uma bomba explode em Tel-Aviv ou Jerusalém.” A frase é do cristão palestino Beshiel Handel, de 45 anos, dono de uma loja atrás da Mesquita de Belém. Talvez aqui esteja a amplitude do ódio dos árabes: a lógica do terrorismo antijudaico não impregna apenas os jovens palestinos da periferia e dos campos de refugiados, sob a influência da rede de assistência social dos movimentos fundamentalistas, que os ampara e doutrina.

Nesta segunda edição da intifada, o levante palestino reiniciado há um ano, o desespero dos árabes ressurgiu potencializado pelo fracasso de um processo de negociações que durou sete anos. E que redundou na instauração da Autoridade Palestina num território entrecortado pelos assentamentos judaicos e pelos cercos israelenses às cidades árabes, e nos constantes confrontos com soldados israelenses, em ações de contenção de agressões dos palestinos, de caçada a suspeitos de terrorismo ou de simples punição e vingança.

O quadro é semelhante ao da primeira intifada (1987-1993), com uma diferença: a existência de uma polícia palestina, uniformizada e armada, que entra no confronto contra os israelenses. O policial Hamad Samur, de 21 anos, foi um dos que morreram há cerca de um mês, quando os israelenses invadiram Beit Jala, cidade vizinha a Belém. Samur caiu com a mão na barriga, atravessada por uma bala, à porta da casa de um de seus melhores amigos, Ruslan, de 17 anos.

A família de Ruslan se mudou para outra casa, 300 metros abaixo, em busca de um pouco mais de segurança – conceito cada vez mais vazio dos dois lados da linha verde que separa as áreas palestinas e israelenses.

Ruslan sabe de muitos jovens palestinos que estão prontos para se converterem em terroristas suicidas. Não é o caso desse integrante da minoria cristã da região. “Não quero matar ninguém. Mas, se tiver que lutar por minha terra, vou lutar.”

Ruslan e seus amigos não têm nada para fazer na pequena Beit Jala, onde estão confinados há um ano, impedidos de passar pelas barreiras erguidas pelo Exército israelense em torno das cidades palestinas. A quadra de basquete onde ele e os amigos se distraíam foi destruída, segundo ele, pelos obuses israelenses. Assim como várias casas da cidade, incluindo o palacete do prefeito, Abu Ziguebre. Os disparos visam sistematicamente as caixas d’água – bem precioso na região.

Ruslan não tem nada contra os israelenses, em princípio. Há dois anos, participou de um acampamento de confraternização entre árabes e judeus perto de Tel-Aviv, ocasião que guarda como uma boa – e distante – recordação.

Desde o reinício da intifada, que se seguiu ao impasse nas negociações, Ruslan vive um dilema. Ele está no último ano do curso secundário e gostaria de sair, para estudar desenho gráfico. A universidade mais próxima que oferece esse curso, no entanto, é a Bir Zeit, de Ramallah, ao norte de Jerusalém. Mas os israelenses não permitiriam que ele saísse e voltasse todos os dias.

Se quiser deixar Beit Jala, Ruslan terá de entregar seu documento palestino aos israelenses. E nunca mais poderá voltar. “Sei que é perigoso, mas quero ficar aqui até o fim da intifada”, diz Ruslan. “Se for para ir e não voltar mais, prefiro não estudar.” “Se eles passam pelas barreiras, os soldados israelenses rasgam seus documentos”, diz Handel, que tem uma filha de 18 anos na mesma situação.

O confinamento e a falta de perspectivas, mais o ódio histórico da disputa por espaço vital, fomentado diariamente pelos confrontos, formam o ambiente ideal para o terrorismo. Basta uma pitada de fanatismo. “Nossa religião não aceita isso, mas a deles diz que eles devem morrer pela sua terra”,

interpreta Ruslan – ou seus amigos muçulmanos. “Os terroristas suicidas são pessoas boas, que tiveram seu coração bombardeado pela perda de parentes, ou que não têm mais nada a perder.”

Parece impossível encontrar um palestino – independentemente de sua condição social – disposto a condenar os autores dos atentados suicidas. O que o caso dos americanos mortos em Nova York suscita são analogias com os palestinos mortos – igualmente “vítimas inocentes” –, seguidas da observação: “Por que ninguém fala nada quando são os palestinos que morrem?” Uma couraça lógica torna os palestinos impenetráveis a argumentos sobre se uma das origens dos problemas não está justamente na violência por eles promovida.

É igualmente inútil tentar arrancar dos palestinos críticas ao líder Yasser Arafat, por ter abandonado as negociações com o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Barak, depois de ter chegado muito perto de um acordo definitivo, em que, pela primeira vez, Israel se dispunha a desocupar até 95% da Cisjordânia, a descontinuar ou até a suprimir alguns assentamentos judaicos, a discutir livre trânsito, acesso a água, etc.

O impasse levou ao enfraquecimento político de Barak – fragilizado pelas próprias concessões que fizera –, a uma moção de desconfiança no Parlamento israelense, à convocação de eleições e à vitória, em fevereiro, da linha-dura, representada pelo primeiro-ministro Ariel Sharon.

Mesmo os que tiveram mais a perder com o reinício da intifada e o desaparecimento do turismo, como os empresários e comerciantes de Belém,

explicam o terror fundamentalista lembrando que os israelenses tomaram as terras dos árabes, com apoio dos Estados Unidos. Ou simplesmente mostram suas casas e lojas atingidas por disparos de tanques israelenses, como a professora aposentada Jihad Jubran, que deixou de dormir na casa recém-construída, que dá de fundos para uma base militar, e o cristão Nader Cassis, dono de uma serralheria castigada pelos morteiros.

As marcas dos tiros nas paredes são as feridas mais visíveis dos palestinos de Belém e de Beit Jala. Os atentados, seu lado mais sombrio e terrível.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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