Palestinos passam a ter 2 premiês

Abbas, do Fatah, nomeia novo primeiro-ministro, mas Hamas reconhece apenas Haniye como chefe de governo

RAMALLAH – A facção moderada Fatah e o grupo fundamentalista Hamas deram mais um passo ontem rumo à divisão política dos territórios palestinos. A Faixa de Gaza e a Cisjordânia têm agora, na prática, cada uma seu primeiro-ministro. O presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, da Fatah, nomeou chefe de governo o seu ministro das Finanças, Salam Fayyad, depois de ter destituído, na véspera, o líder do Hamas, Ismail Haniyeh. O Hamas não reconheceu a destituição, que pôs fim a um “governo de união nacional” formado há apenas três meses. Abbas também decretou na quinta-feira estado de emergência e disse que seriam convocadas novas eleições parlamentares.

A nomeação de Fayyad, bem-visto no Ocidente como um tecnocrata, foi anunciada depois de uma reunião de Abbas com dirigentes da Fatah e da Organização de Libertação da Palestina, da qual é a facção dominante, em Ramallah, a capital palestina na Cisjordânia. A outra sede da presidência da AP, em Gaza, foi tomada ontem pelo Hamas, que com isso assumiu controle total sobre a Faixa de Gaza, separada da Cisjordânia por 45 quilômetros de território israelense.

Ismail Ridwan, porta-voz do Hamas, disse em Gaza que a nomeação do primeiro-ministro era mais um “passo ilegal e precipitado”, dado para satisfazer Israel e os Estados Unidos. “É um golpe político, e tem graves conseqüências”, acrescentou o porta-voz, citado pelas agências internacionais. Americanos, europeus e israelenses não escondem sua preferência pela Fatah.

“Vamos manter essa estratégia de diálogo com os moderados e enviar alguma esperança àqueles que apóiam nossa visão”, disse a ministra das Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, sem detalhar como essa “esperança” se materializaria. Os analistas acreditam que uma Cisjordânia governada exclusivamente pela Fatah – em oposição a uma Faixa de Gaza dominada pelo Hamas – seria alvo de intensa ajuda financeira do Ocidente. Enquanto isso, a Faixa de Gaza, onde vive 1,4 milhão dos 4 milhões de palestinos dos territórios, mergulharia no isolamento e no desemprego.

O Hamas, apoiado pelo Irã e a Síria, venceu as eleições parlamentares de janeiro do ano passado. Por causa da sua recusa em reconhecer o Estado de Israel, os Estados Unidos e a União Européia cortaram a ajuda financeira à Autoridade Palestina. O governo israelense parou de repassar os impostos arrecadados de palestinos e sobre o comércio com os territórios. A retenção soma US$ 562 milhões. Para tentar romper o isolamento, e evitar confrontos entre as duas facções, o Hamas concordou com a formação da coalizão com a Fatah, que manteve, no entanto, o controle sobre as forças de segurança, apesar de o Ministério do Interior ter ficado com o grupo fundamentalista. Ajuda americana em dinheiro e treinamento para essas forças da Fatah precipitaram a ofensiva do Hamas, que deixou mais de 100 palestinos mortos desde domingo na Faixa de Gaza.

Haniyeh garante que o Hamas ainda está comprometido com os acordos com a Fatah. “Ordeno que nosso povo demonstre calma e contenção”, disse o líder do Hamas, depois de mandar soltar alguns líderes do Fatah. O gesto contrasta drasticamente com as atrocidades cometidas nos últimos dias, quando membros das forças de segurança foram arrancados de seus quartéis e mortos ou obrigados a desfilar de cueca nas ruas (ver ao lado). O Hamas acusa a Fatah de colaboracionismo com Israel, o que nos territórios palestinos tradicionalmente se pune com a morte.

O repentino fim do domínio da Fatah sobre a Faixa de Gaza, que durava décadas, pôs em xeque a capacidade de liderança de Abbas, sucessor do líder palestino Yasser Arafat, morto em 2004. Comandantes da facção se queixaram de terem ficado vários dias sem uma ordem sobre como proceder diante dos ataques do Hamas, iniciados no domingo. Só na noite de quinta-feira foi que Abbas, pressionado por outros dirigentes da facção, ordenou que seus homens reagissem. Mas já era tarde demais. Os comandantes militares da Fatah que não foram mortos fugiram de barco pela costa mediterrânea ou pelo posto de fronteira de Rafah, com o Egito, embora ele estivesse, em tese, fechado.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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