Bagdá acusa Amã de usar a guerra para não pagar dívida

Iraque alega não ter recebido bilhões de dólares em alimentos pagos com petróleo

AMÃ – A crescente deterioração das relações entre o Iraque e a Jordânia ganhou novo impulso ontem, depois que o governo iraquiano acusou o país vizinho de se aproveitar da guerra para não pagar o que lhe deve, em alimentos e remédios, em troca do petróleo que lhe vendeu, e de congelar US$ 600 milhões em depósitos bancários. A acusação se segue à expulsão de três diplomatas iraquianos acreditados em Amã. Segundo o Iraque, a Jordânia age sob pressão dos EUA.

Pelas contas do Iraque, o país vendeu, nos seis anos de funcionamento do programa da ONU “Petróleo por Alimentos”, US$ 64 bilhões em petróleo. Mas só recebeu US$ 21 bilhões em alimentos, remédios e outros produtos vinculados à agropecuária e à saúde. Outros quase US$ 21 bilhões já foram comprados e boa parte da mercadoria está em navios próximos ao Iraque, contabilizou o ministro da Indústra e Comércio iraquiano, Mohamed Mahdi Saleh, durante entrevista coletiva ontem de manhã em Bagdá.

“Isso é confisco”, denunciou Saleh, aparentemente se referindo aos US$ 22 bilhões que, segundo essas contas, o Iraque pagou em petróleo mas não recebeu em alimentos e medicamentos. O ministro acusou a Jordânia, que funciona como entreposto comercial para o Iraque, de reter as mercadorias e bloquear sua passagem.

O governo jordaniano reagiu imediatamente, convidando os jornalistas para uma entrevista coletiva ao meio-dia com os ministros da Indústria e Comércio, Salahuddin al-Bashir, e da Informação, Mohamed al-Adwan. Al-Bashir negou veementemente que a Jordânia tenha bloqueado os carregamentos para o Iraque: “Os exportadores e transportadores da Jordânia e de outros países é que decidem se querem ou não continuar o fornecimento, por sua conta e risco, depois do início da guerra.” E Al-Adwan disse que não houve nenhum congelamento de depósitos iraquianos.

O trecho da estrada da fronteira com a Jordânia até Bagdá tem sido atingida pelos bombardeios da coalizão, matando pelo menos um motorista, por sinal jordaniano. Mesmo assim, segundo Al-Bashir, “do dia 18 (quando começaram os ataques) para cá, centenas de caminhões saíram da Jordânia para o Iraque, enquanto nenhum caminhão veio de lá para cá trazendo petróleo”. Entre os produtos exportados, o ministro citou carne, kits de primeiros socorros e de exame de sangue, medicamentos e pesticidas.

O programa Petróleo por Alimentos foi criado há seis anos por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, para permitir a venda de petróleo iraquiano exclusivamente para atender as demandas humanitárias de sua população, fortemente atingida pelas sanções econômicas impostas ao país desde que invadiu o Kuwait, em 1990. O programa foi suspenso alguns dias antes do início da guerra.

Bagdá se queixou também da expulsão de três diplomatas de sua embaixada em Amã, alegando que ela se deveu às pressões americanas para que a embaixada seja fechada. A Jordânia alegou que os iraquianos, do nível de primeiros-secretários, “estavam exercendo atividades incompatíveis com as de diplomatas” – eufemismo para espionagem.

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