Internet muda vida de brasileira na Jordânia

Depois de casar-se com jordaniano que conheceu em chat, Lilian, convertida ao islamismo, abre cibercafé para mulheres

IRBID, Jordânia – Se quiser saber até que ponto a internet pode mudar a vida das pessoas, pergunte à paulistana Lilian. Há coisa de seis anos, ela navegava num chat quando conheceu o jordaniano Issa Joumah. Três anos depois, Lilian se casou com Issa e se mudou para a Jordânia, tiveram um filho, Amin, de dois anos e meio, e planejam ter outro. A mudança foi mais que geográfica: Lilian, agora com 28 anos, se converteu ao islamismo e diz que uma das coisas que a atraíram na religião é o tratamento que ela dispensa às mulheres.

“Gosto da proteção que os homens muçulmanos oferecem às mulheres”, diz Lilian, que começou a trabalhar aos 16 anos. “A independência financeira das mulheres no Brasil tem seu lado bom. Mas a gente também se cansa de muita independência.” Formada em propaganda e pós-graduada em marketing, Lilian tinha uma carreira ascendente no HSBC, em São Paulo. “Mas eu vivia muito estressada e me sentia dividida entre minha vida profissional e pessoal.”

O pai de Lilian foi contra o namoro e chegou a proibi-la de usar a internet em casa. Entre outras advertências, dizia que Issa deveria ter outras três mulheres na Jordânia. Issa não tem mais mulheres nem pretende ter. Assim como seu pai: “Você acha que minha mãe teria aceitado?” O Alcorão admite até quatro esposas. O que Lilian acha disso? “O que o Alcorão diz é que um homem pode ter outras mulheres se puder tratá-las exatamente igual às outras”, diz Lilian. “Como isso é impossível, na prática, ter outras mulheres não é permitido”, raciocina ela.

Issa concorda. Ao desembarcar no aeroporto de Cumbica, há três anos, para se encontrar pessoalmente pela primeira vez com a moça com que trocara mensagens por três anos, Issa ficou constrangido quando Lilian pegou na sua mão, na frente dos familiares que a acompanhavam. Nos países muçulmanos, homens e mulheres só têm contato físico quando são irmãos ou casados. Nas famílias mais conservadoras, os jovens não namoram. Casam-se diretamente com a mulher que eles ou seus pais escolheram para sua esposa.

Embora se tenha convertido ao Islã quando se casou com Issa e se mudou para a Jordânia, há três anos, Lilian só começou a fazer as cinco orações diárias que a religião prevê há dois meses. “Até então, não me sentia preparada e queria aprender mais sobre o islamismo.” A língua também tem requerido um longo aprendizado. Lilian já se comunica bem em árabe, embora tenha muita dificuldade de ler. Fala português com sotaque e adquiriu o hábito dos árabes de intercalar as frases com a expressão “iani”, que significa “ou seja” ou “quer dizer”. O menino Amin, que está na escola em Irbid, entende português, mas responde em árabe.

Há três semanas, a internet mudou de novo a vida de Lilian. A família, que vivia em Amã, mudou-se para Irbid, 84 quilômetros ao norte da capital, onde Lilian conseguiu abrir o próprio negócio: o Internet Café Hearts (corações), que funciona dentro de um alojamento para garotas que estudam na Universidade de Al-Yarmouk, a segunda do país. Todos os dias, Issa, executivo da empresa de telecomunicações Fastlink, faz o percurso de quase uma hora de Irbid para Amã.

O Internet Café é um reduto feminino, onde as estudantes podem ficar à vontade e fazer coisas que não fariam na frente dos homens, como tirar o véu ou fumar. Principalmente aquelas que estão chegando na faixa dos 25 anos, quando já se considera que “ficaram para titia”, costumam pedir conselho para Lilian sobre como arranjar um marido. Ela recomenda dedicação à internet: “Quem sabe vocês têm a mesma sorte que eu?”

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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