Baixas são golpe no moral israelense

Mas, para especialista israelense em assuntos militares, é um revés que não indica o resultado final da guerra

A morte de pelo menos nove soldados israelenses em combate com o Hezbollah no sul do Líbano é um golpe “horrível” no moral dos israelenses, extraordinariamente sensíveis a baixas de seus militares. Mas é apenas um revés, que não indica o resultado final da luta. A avaliação é do tenente-coronel da reserva Ron Ben-Yishai, especialista em assuntos militares e ex-assessor do presidente de Israel, Moshe Katsav.

Em entrevista ao Estado, pelo telefone, na noite de ontem, de sua casa em Tel-Aviv, Ben-Yishai, de 62 anos, defendeu a ofensiva militar israelense: “O que você queria que fizéssemos? Aplicássemos sedativos neles?” Enumerou objetivos, explicou por que o Hezbollah continua capacitado a disparar centenas de foguetes contra o norte de Israel depois de duas semanas de bombardeios e esmiuçou o poderio militar desse grupo “semi-regular” que atraiu o inimigo para uma “armadilha”: a guerra de guerrilha em seu terreno.

O Hezbollah está conseguindo atrair Israel para seu jogo, a guerra de guerrilha em seu terreno. Os soldados israelenses estão preparados para esse tipo de combate?

Estão. Em 90% dos casos de escaramuças com combatentes do Hezbollah, os soldados israelenses levaram a melhor. É verdade que o Hezbollah está conseguindo atrair os soldados israelenses para uma armadilha. Mas é da natureza da luta. Ontem (anteontem) parecia que todos tinham fugido. E quando os soldados começaram as buscas no povoado, fizeram uma emboscada bem-sucedida. Isso acontece nas guerras. O resultado é horrível, do ponto de vista de Israel. Você sabe como os israelenses são sensíveis a baixas de nossos soldados. Mas, ao mesmo tempo, Israel está em guerra há 58 anos, e os israelenses entendem que nas guerras há altos e baixos. Se a causa da guerra é correta e justa, eles estão prontos para lutar. Acho que esse é o caso hoje. Claro que o resultado dessa emboscada é um golpe no moral dos israelenses.

Que unidade atua naquela área?

É uma famosa brigada da infantaria chamada Golani, que teve muito êxito nos últimos 5 anos de intifada. A Golani é uma espécie de ponta-de-lança. Mas mesmo na intifada houve casos em que os palestinos conseguiram infligir baixas nos soldados israelenses, às vezes pesadas. Mas no final Israel conseguiu reprimir a intifada. O mesmo se aplica aqui. Um único revés não aponta necessariamente para o resultado final da campanha.

Qual o efetivo do Hezbollah?

Nossa inteligência acredita que seja de 4 mil a 5 mil combatentes. Depende de se você inclui os que cuidam da logística. Eles têm sistema de logística muito elaborado e estão muito bem armados. Não têm tanques e aviões, mas têm todo o resto: muitas aeronaves não tripuladas, que equipam com explosivos para lançar contra Israel; canhões, artilharia e formidável arsenal de 12.500 foguetes de todos os tipos. Já dispararam 3 mil. Entre 2 mil e 3 mil foram destruídos. Então, eles ainda têm pelo menos a metade. Há os Katiushas de fabricação russa, de curto alcance, 20 a 30 quilômetros. Os mísseis iranianos de curto alcance, 50 a 70 quilômetros. E mísseis de mais longo alcance, de 120 a 200 quilômetros, que podem atingir Tel-Aviv. Eles tentaram usar esses mísseis, mas a Força Aérea israelense conseguiu bombardeá-los e destruir a maioria. Eles ainda têm alguns operacionais, não muitos. A Síria e o Irã os equipam com o que há de mais avançado em armas antitanques. Integrantes da Guarda Revolucionária iraniana os ensinaram a preparar cargas explosivas e camuflá-las. Eles são um exército semi-regular lutando uma guerra de guerrilha elaborada.

Depois de duas semanas de bombardeios, por que Israel ainda não conseguiu impedir o Hezbollah de lançar barragens de foguetes contra o norte do país?

É simples. A maioria dos foguetes é pequena (no máximo 2,5 metros) e muito fácil de esconder sob arbustos. Eles fizeram bunkers, de onde lançam os foguetes. Mesmo quando disparam, se você não conseguir enfiar um míssil naquele buraco, não impedirá novos lançamentos. Além disso, eles não ficam perto dos foguetes quando são lançados. Eles usam cabos elétricos para dispará-los. Alguns dos lançadores têm disparadores múltiplos. Mesmo que os pilotos consigam ver e destruir as bases de lançamento, as equipes continuam a salvo. E para lançar um Katiusha não é necessária base de lançamento. Na primeira Guerra do Golfo, em 1991, o general Norman Schwarzkopf (comandante militar americano) se vangloriava todas as noites de haver destruído tais e tais bases de lançamento e mísseis Scud, que são 200 vezes maiores que os usados pelo Hezbollah. No fim da guerra, descobriu-se que nenhuma dessas bases tinha sido destruída. E não era uma área montanhosa e cheia de arbustos e árvores como o Líbano, mas o deserto iraquiano.

O objetivo declarado dessa operação é aniquilar o Hezbollah. O senhor acha isso possível?

Não. Isso não é realista. O objetivo da operação é: primeiro, afastar o Hezbollah da fronteira. Ele tomou controle do sul do Líbano. Nos últimos 6 anos, depois que Israel se retirou da “zona de segurança”, se posicionou na fronteira. Eles tentaram repetidas vezes seqüestrar soldados israelenses. Mas Israel queria manter seu flanco norte calmo e reagia de forma bastante contida. Mas o Hezbollah conseguiu atingir civis e seqüestrar soldados israelenses, até que Israel se encheu. O segundo objetivo, que é muito mais difícil, é pressionar os patrocinadores do Hezbollah a desarmá-lo. O terceiro é impedir, com ajuda da comunidade internacional, que o Hezbollah volte a se rearmar. De dia, os homens do grupo são fazendeiros ou comerciantes; de noite, vestem suas fardas e fazem o que querem. Eles escondem a maior parte do armamento em casas de civis, e pagam as famílias para armazenar os Katiushas em seus celeiros.

A solução é criar uma nova “zona de segurança” no terreno?

Não. Israel não cometerá esse erro novamente. Não será um reduto militar no território libanês. Israel vai disparar sua artilharia terrestre para impedir que qualquer homem armado, visto do ar, se aproxime a menos de 1 quilômetro da fronteira. Ao contrário do que ocorria antes, quando deixava que (o combatente do) Hezbollah literalmente viesse e se sentasse na fronteira, a 10 metros de onde estava o soldado israelense. O último objetivo é que o Exército libanês assuma o controle do sul do Líbano.

No passado, Israel trocou prisioneiros com o Hezbollah, depois da captura de soldados israelenses. O sr. não acha que desta vez a reação foi desproporcional?

Vamos supor que um grupo venha de um povoado próximo de São Paulo e fique seqüestrando seus cidadãos, e além disso disparando milhares de foguetes sobre a cidade. O Exército brasileiro estará reagindo desproporcionalmente se fizer tudo o que puder para contê-los? O que você queria que fizéssemos? Aplicássemos sedativos neles?

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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