Depois do rugido dos aviões,vem o silvar das bombas

Marjayoun, no sul do Líbano, tinha 2 mil habitantes. Hoje tem metade, que vive nos porões com medo dos ataques

MARJAYOUN, Sul do Líbano – Eram 20h43. A lua cheia rilhava no céu sem nuvens de Marjayoun. Foi quando começou o bombardeio.

No início, tem-se o impulso de contar as bombas, de classificá-las segundo o estrondo, medir sua freqüência. Depois cai-se numa quase monotonia, quebrada por um ou outro estouro mais próximo, o impacto que sacode fortemente a casa. As paredes tremem e os vidros, se ainda houver – o que não é o caso da casa onde o repórter do Estado passa a noite – se estilhaçam.

Primeiro vem o rugido grave dos aviões israelenses se aproximando rapidamente: ruuum. Depois, o assovio – que não chega ser agudo – dos projéteis caindo: uahou. Seguido de um impacto brusco: bum. Por trás dos estrondos, há um zunido contínuo, dia e noite, que lembra aeromodelismo, da aeronave não-tripulada que aqui se chama de MK, usada pelos israelenses para colher imagens.

Fincada no sul do Líbano bem dentro da “zona de segurança” que Israel ocupou entre 1982 e 2000, Marjayoun e seus arredores são generosos em alvos. A duas quadras de onde o Estado se aloja, está D’Bbin, onde viviam cerca de mil xiitas. Em seguida, vem Blat, que contava 2.500 habitantes, na maioria xiitas, mas também cristãos. A uns dois quilômetros está a floresta de pinheiros de onde o Hezbollah ainda lança seus foguetes, cujo ruído é um inconfundível vuush.

A artilharia israelense responde a quatro quilômetros, do vilarejo Al-Amra, que Israel está ocupando de forma intermitente. Ao lado, está Khiem, cidade xiita de 15 mil moradores que agora está vazia e as aldeias de Kfar Chuba, Kfar Haman e Shebaa, esta, contígua às fazendas do mesmo nome ocupadas por Israel que foram um dos pretextos da captura dos dois soldados israelenses pelo Hezbollah, dando início à guerra. Marjayoun, onde se misturam cristãos, sunitas e xiitas, tinha 2 mil habitantes.

Agora, deve ter metade disso, calcula o padre cristão ortodoxo Phillip Habib el-Oukla. Os que ficaram se escondem nos porões de suas casas.

As ruas estão absolutamente desertas, mesmo de dia. Até porque os caças-bombardeiros israelenses não têm hábitos apenas noturnos. Sob bombardeio há mais de três semanas, os moradores desistiram de tentar identificar um padrão. Os vilarejos em redor também não dão sinal de vida, com exceção de uma ou outra luz acesa, que indica a existência de gerador: a região está sem eletricidade e telefone, e o fornecimento de água é irregular. Na primeira metade da viagem de duas horas do Vale do Bekaa para cá, vêem-se carros, pessoas e até algumas lojas abertas, ainda que com ar de domingo, e com todo mundo aparentando urgência de sair da rua. Na segunda hora, é diferente.

Entre Al-Karaoun, pela qual o Estado passou às 16 horas, e Marjayoun, onde chegou às 17 horas, o carro não cruzou com nenhum outro, nem se viu pessoa alguma nas ruas. A única exceção foi um jipe do Exército libanês com cinco militares parado na beira da estrada , que nos advertiram para algo que já havíamos notado.

Três mísseis tinham sido despejados, havia alguns minutos, cerca de 300 metros adiante, formando uma cratera na rodovia e três colunas de fumaça. A vegetação rasteira que cobre a montanha à margem da estrada pegou fogo.

Observando-se as numerosas crateras ao longo da rodovia que liga o Vale do Bekaa ao sul do Líbano, chega-se à conclusão de que a intenção israelense não é bloquear de vez o tráfego, mas obrigar a passar devagar. É como se os mísseis fossem a versão militar das lombadas. Às vezes, o piloto erra um pouco na mão e o motorista precisa subir no pé da encosta que contorna o desfiladeiro para poder passar. Israel destruiu as autopistas e pontes das vias principais, e lançou esses “redutores de velocidade” sobre as estradas secundárias aparentemente para manter o controle sobre a movimentação no Líbano.

Até o Hezbollah sumiu. As entradas e saídas das cidades por eles dominadas no sul estão sem controle nenhum, mas os símbolos desse domínio continuam intactos. Os arcos de ferro amarelos ornados com fuzis ou foguetes, na entrada e saída da cidade; os cartazes com fotos do ex-presidente sírio Hafez Assad, do ex-líder espiritual iraniano aiatolá Ruhollah Khomeini, e do líder atual, Ali Khamenei, além do próprio líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah.

Nas ruas principais, os postes exibem cartazes de “mártires”, ou seja, moradores locais que morreram por causa do conflito com Israel.

E as bandeiras amarelas com fuzil pintado de verde. Em Yohmor, no coração do território do Hezbollah, uma bandeira do Brasil tremula no mastro de uma casa. Mas não há a quem perguntar quem a colocou ali.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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