Exército e polícia refletem divisões entre religiões

Sunitas e cristãos buscam a proteção de forças especiais, mas guerra civil não interessa a ninguém

BEIRUTE – “Só Alá sabe.” É assim que um general da polícia libanesa responde à pergunta sobre quanto tempo levaria até que os 22 mil homens das Forças de Segurança Interna (FSI) debandassem para as milícias de seus respectivos grupos político-religiosos, no caso de a atual crise transbordar para a violência. “Pode acontecer, como pode não acontecer.”

O contingente das FSI é dividido seguindo o mesmo arranjo que compõe as cadeiras do Parlamento: metade para cristãos e metade para muçulmanos – dos quais, 40% xiitas, 40% sunitas, 10% drusos e 10% alauítas. Dizem que o diabo mora nos detalhes. Nos últimos dois anos, o governo do primeiro-ministro Fuad Siniora investiu na ampliação e aperfeiçoamento de forças especiais, que hoje reúnem 3 mil homens. No interior dessas forças, há uma unidade de elite, composta de 500 policiais muito bem treinados e equipados. As posições-chave são ocupadas por sunitas leais ao primeiro-ministro. Preocupado com a correlação de forças, o patriarca Nasrallah Sfeir pediu ao governo a inclusão de cristãos maronitas nas forças especiais. Serão selecionados 400 cristãos maronitas, de um total de mil que estão atualmente em treinamento.

As Forças Armadas obedecem à divisão demográfica oficialmente aceita: entre 35% e 40% cristãos, 28% xiitas, 27% sunitas e cerca de 5% a 10% divididos entre drusos e alauítas. O recrutamento para o serviço militar obrigatório, um contingente de 10 mil homens, segue essa proporção. Mas o ingresso de cristãos no efetivo profissional de 40 mil homens tem sido reduzido desde o fim da guerra civil, em 1990, quando o Exército se dividiu entre cristãos, comandados pelo general Michel Aun, e sunitas, sob o general Samir Khatib – apoiado pela Síria.

“Os cristãos e os sunitas estão fazendo o possível para manter o controle sobre o governo, para o Exército e a polícia os defenderem da Síria e do Irã”, diz um chefe de inteligência das Forças Libanesas (FL), milícia cristã maronita que, como as outras, com exceção do Hezbollah, entregou seu armamento pesado para o Exército no fim da guerra civil, mas mantém armas leves, como fuzis, metralhadoras e granadas. Ele diz que o líder das FL, Samir Geagea, pode mobilizar 7 mil homens, porém despreparados, mal-armados e separados territorialmente.

Até 1991, as unidades do Exército eram compostas por homens da mesma região, mantendo-se fiéis a suas filiações políticas, religiosas, tribais e familiares. O atual presidente Emile Lahoud, comandante do Exército entre 1989 e 1998, desfez essa divisão e distribuiu os militares por todo o território, misturando os diversos grupos. Desde então, diz um general xiita, a coesão do Exército foi testada várias vezes, quando enfrentou guerrilheiros palestinos, em 1991; quando executou a ordem de prisão de Geagea, em 1994; ou quando manteve a ordem nas manifestações pró e anti-Síria, depois do assassinato do primeiro-ministro Rafic Hariri, no ano passado. “A maioria dos cristãos no Exército respeita e ama Aun”, reconhece, no entanto, o general xiita.

Mas todos dizem que uma guerra civil não interessa a ninguém. Além do desequilíbrio entre as milícias cristãs e sunitas e o Hezbollah – que tem 30 mil homens bem treinados e equipados e 20 mil foguetes –, outro fator de dissuasão é a mistura das populações. “Para haver uma guerra civil, é preciso desenhar linhas divisórias entre os dois lados”, observa o general. “Foi o que aconteceu na guerra entre cristãos e muçulmanos. Hoje, isso não existe mais.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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