Exército libanês volta ao sul do país pela 1ª vez desde 1968

Milhares de soldados cruzaram ontem o Rio Litani para estabelecer o domínio do governo na região

BEIRUTE – Pela primeira vez desde 1968, milhares de soldados atravessaram ontem o Rio Litani, para estabelecer o domínio do Exército libanês sobre o Sul do Líbano, conforme prevê a Resolução 1701, aprovada há uma semana pelo Conselho de Segurança da ONU, e que suspendeu os conflitos entre o grupo xiita Hezbollah e Israel.

Depois de atravessar o rio numa ponte improvisada, já que a outra foi destruída por mísseis israelenses, dezenas de tanques, caminhões e jipes começaram a chegar pela manhã ao Sul, sendo recebidos com euforia por alguns moradores, sobretudo cristãos e sunitas, que não viam o Exército libanês na região havia quase 40 anos.

No fim dos anos 60, guerrilheiros palestinos estabeleceram suas bases no Sul – e uma espécie de governo paralelo da Organização de Libertação da Palestina -, de onde saíram apenas em 1982, expulsos pelo Exército israelense. Foram imediatamente substituídos pelos grupos xiitas libaneses Amal e Hezbollah.

No caminho, as tropas libanesas cruzaram os pórticos do Hezbollah nas entradas e saídas dos vilarejos do Sul, que marcam o domínio do grupo. São arcos de ferro ornados com fuzis e foguetes que exibem retratos do presidente da Síria, Hafez Assad, do líder espiritual iraniano, Ali Khamenei, e do líder da Revolução Islâmica no Irã, Ruhollah Khomeini, além do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, e da bandeira do grupo.

O Exército pretende completar hoje o destacamento de 15 mil soldados no Sul. Eles deverão se juntar a uma força multinacional de outros 15 mil soldados, ainda em fase de conformação, e com alguns percalços para encontrar países dispostos a participar.

A resolução prevê que o Hezbollah seja desarmado, mas o governo libanês, que aprovou o destacamento do Exército na quarta-feira, encontrou um jeitinho de contornar a resistência do grupo, que ameaçava minar todo o processo. O Exército não vai desarmar o Hezbollah, mas seus combatentes vão se recolher, evitando serem vistos com suas armas – algo que já era raro antes nos vilarejos do Sul, onde o grupo não costumava ter presença militar ostensiva.

Num eloqüente discurso no Parlamento ontem, o deputado Saad Hariri, líder da maioria e filho do primeiro-ministro Rafic Hariri, morto num atentado no ano passado, responsabilizou Israel e a Síria pela destruição do Líbano. Aplaudido de pé pelos deputados, Hariri disse que Israel “vive do sangue” de palestinos, libaneses e outros árabes. E acusou o presidente sírio, Bashar Assad, de tentar semear a divisão no Líbano. A Síria, assim como o Irã, apóia o Hezbollah, cuja captura de dois soldados israelenses desencadeou o ataque de Israel, no dia 12 de julho.

Na quarta-feira, depois da decisão do governo de enviar os soldados para o Sul, o primeiro-ministro Fuad Siniora, do mesmo grupo de Hariri, também fez um veemente ataque às tentativas de manter o país dividido e à existência de “Estados dentro do Estado”. Sem mencionar o Hezbollah, que participa do gabinete com três ministros, Siniora garantiu, em pronunciamento à nação: “Haverá um único Estado com um só poder. Não haverá dupla autoridade.” Porta-vozes do Hezbollah reafirmaram que o destacamento do Exército no Sul é bem-vindo.

Noutro sinal de uma volta gradual à normalidade foram retomados ontem os vôos comerciais no aeroporto de Beirute.

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