Granadas transformam plantações em dunas na fronteira

Israel diz ter destruído mais de 30 túneis; fazendeiros garantem que ali só havia lavoura; mas jornalistas confirmam presença de combatentes

RAFAH, Faixa de Gaza – Os bombardeios israelenses na zona rural de Rafah, na fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza, mudaram a topografia do lugar. Os antigos campos de tomate, batata e azeitona deram lugar a dunas, formadas pela terra arenosa removida pelas granadas de morteiro dos tanques e os mísseis disparados pelos caças israelenses. Israel afirma ter destruído mais de 30 túneis que ligavam a Faixa de Gaza ao seu território, a maioria nesse lugar.

Os moradores garantem não ter visto túneis nem combatentes das Brigadas Ezzeddine al-Qassam, o braço armado do Hamas, nessa região. “Israel só queria destruir nossas terras e nossas casas”, disseram os agricultores Sami Siam, de 50 anos, e Ayub Abu Sneima, de 28. “Olhe para esse lugar: só havia árvores, algumas de 20, 30 anos”, disse Adel Abu Lebda, engenheiro-chefe da subprefeitura de Al-Shuka, onde fica a zona rural, e cuja sede também foi bombardeada. “Fui eu que pavimentei esta estrada, em 2005”, lembrou Lebda, apontando para a via agora toda de terra, depois que os tanques israelenses avançaram por ela, destruindo o asfalto.

Apesar das negativas dos moradores, jornalistas palestinos que também percorriam a região confirmaram que ali havia entradas para túneis militares das brigadas do Hamas, que pretendiam usá-los em incursões nos kibutzim, as fazendas coletivas, e em emboscadas contra patrulhas do lado israelense.

Além desses túneis militares, Israel bombardeiou também a área sobre a rede subterrânea que ligava o Egito à Faixa de Gaza, e constituiu entre 2008 e 2013 o cordão umbilical econômico do território. Por ali passavam de alimentos, remédios e material de construção até automóveis e tratores, passando por armamentos. Até que há um ano os militares egípcios derrubaram o governo da Irmandade Muçulmana, aliada do Hamas, e bloquearam o contrabando. Os bombardeios israelenses destruíram o prédio da alfândega, que arrecadava os impostos sobre o comércio, que representavam 60% da receita do governo do Hamas, e até um terminal de cargas.

Na cidade de Rafah, a devastação é bem menor do que as reportagens publicadas nos últimos dias, com base em relatos de moradores feitos por telefone, faziam crer. As lojas do mercado central, que pelos relatos parecia ter sido demolido, estão intactas, com exceção de algumas vitrines.

Os andares superiores é que foram destruídos. Uma faixa na parede do segundo andar indica que lá funcionava o Fórum da Educação, entidade pertencente à Jihad Islâmica. No terceiro andar, o repórter do Estado encontrou um cartaz com a foto de Ahmed Yassin, fundador do Hamas, e uma bandeira do grupo.

Em Rafah está uma das três escolas da ONU atingidas por bombardeios israelenses. Três mil desabrigados continuam vivendo na Escola Preparatória de Rafah. Eles contaram ao Estado que, às 10h30 de domingo, um míssil disparado por um avião israelense caiu na avenida em frente ao portão da escola. Fragmentos dele se espalharam pelo pátio, matando 10 pessoas e ferindo 40. “Desmaiei e, quando acordei, estava em um hospital, cheio de gente ao meu redor”, contou Munir Rowaidy, de 27 anos, estudante de árabe na Universidade Al-Aqsa. Ele foi ferido na barriga.

“Viemos para cá porque nos disseram que era mais seguro”, lembrou Hasna Kashif, de 29 anos, cujo filho Saker, de 8 anos, foi morto. “Ele estava brincando no pátio. Ouvi uma enorme explosão e desci rápido para ver o  que tinha acontecido, e encontrei o corpo dele no chão”, conta Hasna, enquanto seu marido, Bassam, de 31 anos, mostra uma foto do filho em seu celular, numa sala de aula do primeiro andar, onde a família está abrigada. Ao lado dos três filhos que restaram, Hasna acrescentou: “Um dia antes tive um pressentimento de que sairia desta escola sem um dos meus filhos”.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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