Hamas reprime protesto na Faixa de Gaza

Grupo de ativistas, porém, resiste e segue com manifestação ao estilo da ‘primavera árabe’

GAZA – A polícia do Hamas tentou ontem sem sucesso reprimir uma manifestação na Praça do Soldado Desconhecido, em Gaza. Cerca de 200 pessoas se reuniram para apoiar a reconciliação entre o grupo islâmico e a facção moderada Fatah, expulsa da Faixa de Gaza pelo Hamas numa breve guerra civil em 2007. Os policiais fizeram um cordão de isolamento da praça, mas os manifestantes romperam o bloqueio, gritando: “O povo e a polícia são um só.” Os policiais bateram em alguns manifestantes com cassetetes, mas cederam, diante da presença de jornalistas estrangeiros.

“Gritamos isso para constranger a polícia, e funcionou”, disse sorrindo a ativista Ebaa Rezeq, de 20 anos, estudante de letras. “Informamos às autoridades sobre a manifestação 48 horas, como prevê a lei”, relatou Ebaa. “A lei não diz que é preciso aprovação.” Na prática, no entanto, o Hamas não tem tolerado manifestações. O movimento contra a divisão entre o Fatah e o Hamas e a favor da reconciliação é a versão palestina da “Primavera Árabe”, a onda pró-democracia que tem sacudido o Oriente Médio e Norte da África. Implica uma crítica indireta ao Hamas e ao Fatah, por sua ruptura, e traz implícitas reivindicações de maior liberdade de expressão e de atuação política.

“A divisão Fatah-Hamas reduziu os espaços políticos”, explica Moheeb Shaath, engenheiro de 31 anos, gerente na Faixa de Gaza da organização não-governamental Sharek (Participe), que também faz parte do movimento. “Uma corrente extremista ficou no controle de Gaza, excluindo os grupos que pensam diferentemente. Com a reconciliação, cada um poderá expressar suas opiniões, mesmo se criticar os dois lados.”

Criada em 2004 com patrocínio da União Europeia e da Agência Suíça de de Desenvolvimento, a Sharek promove eventos esportivos, colônias de férias, aulas de reforço escolar, cursos de capacitação, seminários e debates para crianças e jovens na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Em março do ano passado, o Hamas invadiu seu escritório em Gaza e confiscou seus computadores. Em novembro, o procurador-geral ordenou o fechamento temporário da ONG, enquanto a investiga pelos crimes de violar tradições religiosas (como o uso do véu, a separação entre garotas e rapazes e a obrigação das mulheres de andar acompanhadas por homens), introduzir costumes ocidentais e colaborar com o governo da Cisjordânia (do Fatah).

“O Hamas não tenta entender o outro lado”, critica um líder do movimento Gaza Youth Breaks Out (Gybo), conhecido pelo codinome “Abu Yezan”. “De acordo com sua mentalidade, quem não está com ele está contra ele.” Abu Yezan, que diz ter sido detido para interrogatórios “mais de 20 vezes”, e é filho de um dirigente do Hamas e de uma líder do Fatah, resume a situação dos palestinos: “Se falarmos mal de Israel não podemos viajar; se falarmos mal do Fatah não arranjamos emprego (na Autoridade Palestina) e se falarmos mal do Hamas vamos para a cadeia.” O Gaybo foi criado em dezembro, para lutar pela reconciliação do Fatah e do Hamas.

“Somos tão fracos que o Fatah diz que vai negociar e entrega nossa terra para Israel, o Hamas diz que vai resistir e impede a Jihad Islâmica de disparar foguetes contra Israel”, condena Abu Yezan. “O Hamas nunca fez nada efetivo pela resistência. Talvez só quisesse governar Gaza.” Abu Yezan condena o uso da violência, defende a resistência pacífica e diz que “90% dos palestinos” também têm essa posição, mas que se a expressam são acusados de “colaboracionistas de Israel”.

Os vários grupos que participam do movimento pela reconciliação e democratização da Palestina preparam uma grande manifestação para domingo, quando, pelo calendário cristão, a criação do Estado de Israel completa 63 anos (pelo calendário lunar judaico, este ano a data caiu na segunda-feira). Os israelenses chamam a data de Dia da Independência, mas os palestinos a conhecem como “Nakba”, “Catástrofe”, em árabe. Alguns ativistas estão prevendo que domingo marcará o início da “terceira intifada”, depois dos dois levantes nos territórios ocupados, iniciados em 1987 e em 2000.

Abu Yezan, líder do Gaza Youth Breaks Out/ Lourival Sant’Anna

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