‘O Hamas tem se mostrado muito moderado e pragmático’

Em entrevista ao ‘Estado’, intelectual do movimento fala também da morte do ativista italiano Vittorio Arrigoni

GAZA – Se não reconhecer o Hamas como parte do futuro Estado palestino, a comunidade internacional terá depois de aceitar a Irmandade Muçulmana – da qual o Hamas provém – nos países árabes que estão vivendo revoluções pró-democráticas. O raciocínio é de Ahmed Youssef, até dois meses atrás conselheiro político do primeiro-ministro da Faixa de Gaza, Ismail Haniyeh, dirigente do Hamas.Em entrevista ao Estado, Youssef, uma das vozes moderadas do Hamas, que agora dirige o Instituto Palestino para Estudos de Resoluções de Conflitos e Governança, ligado ao movimento, diz que recomendou no ano passado aos dirigentes palestinos a reconciliação.

Mestre em jornalismo pela Universidade do Estado do Colorado e doutor em ciência política pela Universidade Columbia em Missouri, Youssef, de 60 anos, comenta as circunstâncias que tornaram possível o acordo e defende a manutenção no cargo do primeiro-ministro Salam Fayyad, apoiado pelo Fatah e bem visto pelo Ocidente, até as eleições do ano que vem. Ele reconhece também que o apoio da Síria enquanto seu regime reprime a população constrange o Hamas.

Quais as condições que tornaram possível o acordo Hamas-Fatah?

Em primeiro lugar, as revoluções nos países árabes, especialmente no Egito. O Hamas não confiava no regime de (Hosni) Mubarak (presidente do Egito derrubado em fevereiro). Em segundo lugar, a frustração de (Mahmud) Abbas (presidente da Autoridade Palestina e líder do Fatah) com o fracasso do processo de paz com Israel. Além disso, e talvez esse seja o fator mais importante, há o movimento da juventude, que a partir de 15 de março passou a reivindicar o fim da divisão. (O primeiro-ministro da Faixa de Gaza, Ismail) Haniyeh fez um discurso ao meio-dia naquela primeira manifestação na Praça do Soldado Desconhecido convidando Abbas a vir à Faixa de Gaza. Abbas respondeu na mesma noite, aceitando o convite.

É problemático para o Hamas ser apoiado pela Síria enquanto seu regime está matando civis?

Claro que é constrangedor para o Hamas. O Hamas está esperando para ver o que acontece na Síria. Mas claro que não é uma situação confortável.

O líder do Hamas, Khaled Mashaal, poderia se transferir de Damasco para o Egito ou mesmo para Gaza?

Tudo é possível. Se a Síria continuar instável, ele poderá querer sair de lá.

Por que ele não vem para Gaza?

Por razões de segurança.

Os candidatos do Fatah (expulso de Gaza pelo Hamas em 2007) poderão voltar para fazer campanha para as eleições do ano que vem?

Claro. Depois da formação do gabinete (de união nacional), haverá anistia geral.

O Hamas e o Fatah estão negociando a troca de presos?

Há poucas pessoas presas aqui, entre 10 e 15, e todas com base em acusações criminais. Mas, por serem do Fatah, podem ser considerados presos políticos. Já na Cisjordânia (administrada pelo Fatah), há mais de 400 presos políticos.

O Hamas está enfrentando dificuldade de controlar os salafistas (radicais islâmicos que mataram o ativista italiano Vittorio Arrigoni há um mês)?

Eles são uma pequena minoria, que explorou a polarização Fatah-Hamas. Com a reconciliação, não serão capazes de fazer mais nada. A imposição da lei e da ordem ficará clara. Não poderão mais esconder-se detrás de nada.

O Hamas perseguiu a ONG Sharek acusando-a de violar costumes islâmicos, colocando meninos e meninos juntos, por exemplo. O Hamas quer impor o cumprimento rigoroso das normas islâmicas?

Não foi só por isso que as atividades da Sharek foram suspensas. Foi para averiguar irregularidades nas suas finanças, Eles têm sorte de ninguém ter sido preso. Você vê na praia homens e mulheres juntos. Meninos e meninas brincam no mesmo parque. Agora, a sociedade palestina é conservadora. Aqui não é o Rio de Janeiro, E isso não tem a ver com o governo.

Como o Hamas vai convencer a comunidade internacional a aceitar seu papel no futuro Estado palestino?

O Hamas tem sido muito moderado. Mostrou disciplina e pragmatismo nos últimos anos. A bola agora está no campo dos ocidentais. Se não reconhecerem o Hamas hoje vão ter de reconhecer a Irmandade Muçulmana no Egito, Tunísia, Síria, Iêmen… A mudança virá em todos os países árabes, porque são todos antidemocráticos e violadores dos direitos humanos .

O Hamas aceita a manutenção de Salam Fayyad no cargo de primeiro-ministro?

É preciso que todos sejam realistas e racionais e apoiem Fayyad. Até porque é por pouco tempo. Ele está bem estabelecido no governo, começou um programa e quer terminar. Seria um desperdício colocar alguém diferente, para começar do zero.

O Hamas foi eleito com a promessa de combater a corrupção, e agora é acusado de corrupção. O poder o corrompeu?

Esse é um dos problemas de se ter poder absoluto. Por isso o acordo (Hamas-Fatah) será bom para todos.

Então, por que demoraram tanto em firmá-lo?

Por falta de consciência política. Em um documento confidencial, eu adverti no ano passado Meshaal, Haniyeh e Abbas que a divisão comprometia o futuro dos palestinos e só Israel ganhava com ela. Exortei todos a esforçar-se para atingir a união. Depois do acordo, publiquei agora esse documento em forma de livro.

Ahmed Youssef, ex-conselheiro político do primeiro-ministro do Hamas/ Lourival Sant’Anna

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*