Na tensa fronteira, sírios dizem que prisão de xeque causou revolta

Moradores de Talkalakh culpam as forças de segurança sírias pela onda de violência no país

WADI KHALED, Líbano – Primeiro, os moradores da pacata Wadi Khaled, 140 km a nordeste de Beirute, ouviram rajadas de metralhadora. Depois, seus vizinhos de Talkalakh, do outro lado da fronteira com a Síria, começaram a chegar. Os protestos se iniciaram na cidade síria de 22 mil habitantes no começo da revolta, há seis semanas. Mas só na tarde de quarta-feira, quando cerca de 700 pessoas se reuniram na frente do Departamento de Segurança para exigir a libertação do xeque sunita Osama ek-Kari, preso depois de sua pregação do meio-dia, foi que a violência chegou a Talkalakh: alguns manifestantes jogaram pedras nos soldados, que abriram fogo contra a multidão, contaram ontem moradores ao Estado.

Dois manifestantes foram mortos, assim como dois soldados e um policial, disseram os moradores, sem saber explicar como os três integrantes das forças de segurança morreram. Há relatos de choques entre soldados, por causa da recusa de alguns deles em disparar contra civis. Mas não se sabe se esse foi o caso. Novo confronto ocorreu na quinta-feira, e o xeque foi solto.

Talkalakh é uma cidade sunita, cuja zona rural ao redor é povoada por alauítas, a minoria à qual pertence o ditador Bashar Assad. Mas os moradores sunitas garantem que seu problema não é com os vizinhos alauítas – há amizades e até casamentos entre os dois grupos -, mas com as forças de segurança do regime. Em Wadi Khaled, no lado libanês, vivem cerca de 50 famílias alauítas, que chegaram ao lado libanês há 40 anos.

“Não há confrontos entre as pessoas comuns”, disse o mecânico Mohamed Ismail, de 37 anos, “As áreas onde os alauítas moram são protegidas pelo Exército.” Ismail cruzou no fim da tarde de quarta-feira com sua família e outras quatro a ponte sobre o Nahr al-Kabir, ou Rio Grande – cujo nome é um evidente exagero -, que separa os dois países.

“Nenhum sunita apoia Assad”, contou o mecânico. “Alguns alauítas são contra e outros, a favor.” Ismail calcula que cerca de 4 mil pessoas fugiram de Talkalakh para o Líbano. Um xeque sunita do Movimento pela Caridade, que pediu para não ser identificado, tinha listado até ontem à tarde 53 famílias só num dos cinco bairros de Wadi Khaled. “Não posso ficar aqui”, disse Ismail, explicando por que não queria ser fotografado, com medo de represálias do regime. “Preciso voltar para minha terra.” Ismail estava preocupado com o que podia acontecer ontem, diante da convocação dos manifestantes para um “dia de fúria”. “Estamos esperando um massacre.” Dezenas de jovens sírios estavam na ponte ontem, mas as autoridades libanesas fecharam a fronteira.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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