Refugiados relatam terror e perseguição

Em território libanês, fugitivos sírios contam como regime de Assad, alauíta, age contra a maioria sunita do país

WADI KHALED, Líbano – Cinco famílias da cidade síria de Talkalakh abrigam-se desde quarta-feira em um prédio de Walid Khaled, do lado libanês da fronteira, 140 km a nordeste de Beirute. São só mulheres e filhos, além de um empregado: todos os pais de família foram presos. Relutantes de início, as mulheres e crianças se aproximam do repórter e de seus guias, sentados em cadeiras de plástico na garagem do prédio. Uma delas toma a palavra. Tem 32 anos, 4 filhas e 1 filho, com idades entre 4 e 15 anos. É dona de duas fazendas, e trouxe três empregados.

Seu marido está preso há um ano. “Ele faz contrabando regular”, diz a mulher – o que significa que não traz drogas ou armas para o Líbano. Talkalakh, de 22 mil habitantes, e Walid Khaled, do lado libanês, de 40 mil, vivem do contrabando de autopeças, diesel, gás, alimentos e tudo o que for mais barato na Síria do que no Líbano. “Não sei nada sobre meu marido. Nesse um ano não pude visitá-lo nem falar pelo telefone com ele.”

Segundo os moradores, 720 homens foram presos na cidade desde 2009. Todos são sunitas, a seita majoritária na Síria, que representa 74% de seus 22 milhões de habitantes. A área urbana de Talkalakh é sunita, com uma zona rural a seu redor habitada pela minoria alauíta, 11% da população, à qual pertence o ditador Bashar Assad. “Tomam os carros dos taxistas, não querem que os sunitas ganhem dinheiro”, disse a fazendeira. “Já os alauítas estão cada vez mais ricos.” Ela e outros moradores de Talkalakh asseguram, no entanto: “Nós e os alauítas somos irmãos. Nosso problema é com o regime.”

Eles contam que homens com fardas pretas e um emblema escrito “Antiterrorismo” entram nas casas dos sunitas, prendem os homens e ameaçam estuprar as garotas. Esses agentes pertencem à 4ª Brigada, comandada por Maher Assad, irmão de Bashar. “Estão sempre com medo de que os sunitas voltem a controlar a Síria”, interpreta a mulher. “Por isso nos reprimem.”

O Partido Baath, de Assad, assumiu o poder em um golpe em 1963, que instalou formalmente um presidente sunita, Amin Hafez. Mas na realidade o partido já era dominado por jovens oficiais alauítas, que chegaram formalmente ao poder em 1970, quando Hafez Assad, pai de Bashar, assumiu. Os alauítas são uma seita muçulmana xiita inspirada nos ensinamentos de Ali – daí seu nome -, genro do Profeta Maomé. A seita é considera herética por outros ramos do islamismo.

O lavrador que trabalha para a fazendeira, também de 32 anos, levanta a camisa para mostrar os ferimentos nas costas. Ele diz que ficou preso durante 10 meses e foi solto 4 dias atrás, sem acusação formal. Na prisão, foi submetido a choques elétricos com os olhos vendados, e golpeado nas costas, com as mãos atadas. Diziam-lhe: “Queremos foder sua mãe e sua irmã.”

Os moradores contaram que os protestos em Talkalakh começaram logo depois de Deraa, há seis semanas. Mas se tornaram violentos na quarta-feira, quando cerca de 700 pessoas se concentraram na frente do Departamento de Segurança para exigir a libertação do xeque Osama ek-Kari, preso depois de seu sermão do meio-dia. Pelo menos 2 civis foram mortos e 12 ficaram feridos. Dois soldados e um policial também teriam morrido. O xeque foi solto no dia seguinte. Mas na sexta-feira continuavam as prisões na cidade.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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