‘Casa de Maria’ é ponto de discórdia com ortodoxos

Para eles, a mãe de Jesus nunca viveu na construção de pedra no Monte Pion, ao contrário do que diz o Vaticano

SELÇUK, Turquia – A meio caminho do diálogo com os ortodoxos, o papa Bento XVI, um mariano, parou num dos tantos pontos de discórdia entre eles e os católicos. O santuário de pedra sobre o Monte Pion só é reconhecido como casa de Maria pelo Vaticano. Segundo a tradição ortodoxa, a mãe de Jesus morreu em Jerusalém, de onde não saiu depois da crucificação.

Como é comum nas alegações sobre lugares onde ocorreram fatos religiosos, não há evidência material de que Maria tenha morado ali. Na era moderna, essa convicção surgiu depois que a freira alemã Anna Katharina Emmerich relatou, em 1818, visões em que descrevia minuciosamente a casa, para onde João Evangelista teria levado a Virgem Maria, e onde ela teria morrido. O relato da freira foi registrado em um livro.

Só em 1891 foi que um grupo de padres organizou expedições na região, com base no livro, até encontrar a casa abandonada e semidestruída, que, segundo eles, correspondia precisamente à descrição da freira. Dentro dela, havia uma estátua de Maria, sem as duas mãos. O lugar era conhecido dos moradores locais por sua fonte de água, à qual são atribuídos poderes miraculosos. O alicerce da casa, segundo análises de carbono, data do primeiro século da era cristã, embora as paredes sejam dos séculos 6º e 7º, o que sugere uma restauração posterior, que a tornou uma capela.

Para os que acreditam que a Virgem Maria tenha ido para lá, as evidências maiores estão na trajetória do apóstolo João, já que não há registros do que aconteceu com a mãe de Jesus, depois da crucificação de seu filho. Segundo uma passagem do Novo Testamento, no caminho da crucificação, Jesus disse a sua mãe e a João que a partir de então eles se tornariam mãe e filho. Durante as perseguições aos cristãos, João, assim como Paulo, partiu para a Anatólia, cuja cidade mais importante, na época, era Éfeso. Suas ruínas revelam seu esplendor. Incumbido de cuidar da mãe de Jesus, João não partiria sem ela, argumentam os partidários da tese.

Acredita-se que João se tenha estabelecido na região, ganhando o título de “apóstolo da Ásia”, embora Paulo também tenha pregado lá, como testemunha a sua Carta aos Efésios. Outro indício seria o fato de que, até 431, quando se reuniu em Éfeso o 3.º Conselho Ecumênico, que deu a Maria o título de “Mãe de Deus”, a única igreja no mundo dedicada à Virgem era a construção do século 2.º, ao lado do anfiteatro, onde se realizou a reunião. Segundo esse argumento, pelas leis do início do cristianismo, só se podia dedicar uma igreja a um santo onde ele tivesse vivido, ou fosse conhecido.

O interessante é que Éfeso já era, antes do cristianismo, um local de peregrinação, por causa de uma outra figura feminina: Artemis, a deusa grega da fertilidade, a quem está dedicado o principal templo da cidade.

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