‘Injustiçados’, turcos já pensam em alternativas

Rússia, Irã, Ásia Central e Cáucaso seriam parcerias ‘realistas’

ANCARA – A ilha de Chipre tem 9.250 quilômetros quadrados (menos da metade de Sergipe) e 784 mil habitantes. Desses, a porção norte, ocupada pelos turcos, representa 3.355 quilômetros quadrados e 141 mil pessoas. Pode algo dessas dimensões se interpor no caminho da Turquia rumo à Europa? Pode, e por dois motivos. Primeiro, porque a maneira como a União Européia (EU) conduziu o assunto feriu o orgulho dos turcos, que se sentem profundamente injustiçados. Segundo, porque eles suspeitam de isso é um pretexto: surgiriam outros e mais outros, ainda que fizessem tudo o que quer a UE.

Em 2004, um plano de reunificação do Chipre apresentado pela ONU foi submetido a referendos dos dois lados da ilha. Na época, Bruxelas promoteu que, se os cipriotas turcos o aprovassem, teriam o embargo comercial contra eles levantado e ainda receberiam ajuda financeira. A minoria turca aceitou o plano; a maioria grega, não. Mesmo assim, a porção grega do Chipre, reconhecida internacionalmente como país, entrou para a UE no ano passado, enquanto a parte turca continuou isolada. E a questão é hoje o principal entrave para a entrada da Turquia na UE.

Nem mesmo os mais interessados nessa entrada acham que o governo turco poderia fazer mais do que já fez a respeito. “Nenhum governo ousaria abrir os portos da Turquia para os navios cipriotas gregos, porque não teria apoio da sociedade turca”, diz Mustafa Bayburtlu, da Divisão de União Européia da União Turca de Câmaras de Comércio e Bolsas de Mercadorias (Tobb). “Concordamos com a linha adotada pelo governo.”

Não são só os turcos que pensam assim. Em artigo publicado na segunda-feira pelo jornal libanês The Daily Star, Uffe Ellemann-Jensen, ex-chanceler da Dinamarca, lembra que a entrada do Chipre na EU pressupunha a unificação da ilha. Como não foi assim, os cipriotas gregos podem agora bloquear a entrada da Turquia. “Como pode a Turquia, sob essas condições, manter a confiança na justiça da EU?”, pergunta o ex-chanceler.

“As pessoas estão começando a suspeitar que a EU não quer a entrada da Turquia. Se esse ressentimento se tornar mais forte, isso será um problema”, analisa Soli Ozel, professor de relações internacionais na Universidade Istanbul Bilgi e editor da revista Foreign Policy em turco. A UE não está sendo capaz de pensar claro. Ela está sofrendo de fadiga de expansão e de medo do terrorismo islâmico. A Turquia, que não tem nada a ver com isso, tornou-se um símbolo desses problemas.”

O apoio dos turcos à entrada da UE, que chegou a 80%, diminui rapidamente. Pesquisa do Instituto Anar, divulgada no dia 14, indica que 54% dos eleitores votariam num eventual referendo a favor da integração, enquanto 37% votariam contra. Em qualquer caso, a pesquisa mostra que apenas 29% dos turcos acreditam que o país acabará entrando na UE.

“Somos contra a adesão à UE porque nos sentimos ameaçados por suas exigências. A Turquia poderá perder unidade e independência no futuro”, diz Ali Kulebi, do Tusam, um centro de estudos nacionalista, vinculado ao poderoso Sindicato dos Metalúrgicos. “Acordos econômicos com a Rússia, o Irã, a Ásia Central e o Cáucaso são mais realistas.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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