Governo cede a pedidos por proteção

Em vez de proteger a indústria, protecionismo isola o País, adverte representante da Fiesp

O Brasil importava 5% a 6% do aço que consumia. Até que, em 2010, a importação passou a 20% – uma “inundação”, define Marco Pollo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil. A pedido do setor, no ano passado, o governo mais que dobrou a alíquota de importação, de 12% para 25%. “Precisamos aumentar o mercado interno”, diz Marco Pollo, explicando que não há a opção de exportar porque a crise na Europa e nos EUA cria excedente de 500 milhões de toneladas de aço por ano: o Brasil produz 48 milhões. Segundo estudo da Pricewaterhouse Coopers, o preço do aço brasileiro está 35% acima da média mundial.

Já o polietileno e o polipropileno, matérias-primas do plástico, são 40% mais caros no Brasil, afirma José Ricardo Roriz Coelho, diretor de Competitividade e Tecnologia da Fiesp (que representa a indústria paulista) e presidente da Abiplast (associação da indústria de plástico). “A proteção é muito grande aos oligopólios no setor do plástico”, critica ele.

A Braskem produz 70% da matéria-prima do plástico consumida no Brasil. Os outros 30% são importados. Em 2007, o Brasil importava 200 mil toneladas de polietileno. Em 2011, esse número havia subido para 780 mil toneladas. “Foi na esteira desse grande aumento que o governo decidiu elevar a alíquota de 14% para 20%, em outubro do ano passado”, justifica Luciano Guidolin, vice-presidente da Braskem. “Mas, de lá para cá, a desvalorização do dólar frente ao real, de R$ 2,03 para R$ 1,96, já eliminou metade desse ganho.”

Há um ano e meio, a Tramontina, que detém 95% do mercado de talheres no Brasil, pediu que o MDIC impusesse sobretaxa de 1.800% sobre os importados da China. Conseguiu a aplicação de 280%, a partir de janeiro, por até cinco anos. De acordo com Gustavo Dedivitis, presidente da Abcon, que representa os importadores, os talheres poderiam ser 40% mais baratos, se o mercado fosse aberto. A Tramontina não quis manifestar-se sobre o tema.

“O Brasil sempre teve tarifas alfandegárias muito elevadas”, relembra o embaixador José Botafogo Gonçalves, que foi o principal negociador brasileiro da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) nos anos 90, que fracassou, em grande medida, por causa da resistência do Brasil em abrir seu mercado. “Hoje há mais de 100 produtos com tarifas no Mercosul”, contabiliza Botafogo, que também foi embaixador para o bloco. “O Brasil está feliz com o protecionismo argentino, porque justifica o protecionismo brasileiro.”

“O Brasil foi e é constante defensor das negociações da Rodada de Doha (da OMC), que não prosseguem porque os países desenvolvidos não aceitam a retirada de subsídios aos seus produtos agrícolas”, afirmou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), em nota ao Estado. “As negociações para o acordo entre Mercosul e União Europeia estão em fase avançada, de preparação das listas de oferta.”

Na prática, o governo reage ao comércio com aversão. “Tarifa de 35% não existe em lugar nenhum do mundo sobre produto algum”, diz Botafogo. “Entre os EUA, União Europeia e Japão, as tarifas não chegam a 5%.” A tarifa média do Brasil é de 11,6%, segundo o MDIC. “Ainda é muito alta”, avalia Botafogo.

Os EUA e a União Europeia iniciaram no mês passado negociações para, em dois anos, criar uma área de livre comércio. Ao mesmo tempo, têm feito acordos bilaterais com outros parceiros. O Brasil está de fora desse processo. “O protecionismo, em vez de proteger a indústria, está isolando o Brasil”, adverte o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp. “Os produtos industriais são compostos de várias partes, que provêm de vários lugares. O Brasil está fora da cadeia produtiva. Ao manter as barreiras, vai dificultar sua integração, porque elas encarecem os produtos da cadeia.”

A China importa 27% do PIB, compara Miguel Jorge; o México, 32%; a Argentina, 20% e o Brasil, 12%. Desses bens importados pelo Brasil, só 23% são de consumo. Os restantes 77% são equipamentos e matéria-prima. “O que eu ouvia de grupos de empresários que vinham pedir aumento do Imposto de Importação…”, recorda o ex-ministro. “Na maioria dos casos, não tem sentido.”

A indústria nacional queixa-se também do valor alto do real frente ao dólar. Embora a defasagem tenha diminuído, “o câmbio não está resolvido”, avalia Rubens Barbosa, da Fiesp. Ele cita estudo da Fundação Getúlio Vargas, segundo o qual a apreciação do real frente ao dólar, na casa dos 30% a 40%, dependendo do momento, anula os efeitos das alíquotas de importação, que, pelos compromissos do Brasil perante a OMC, não pode superar os 35%.

O Índice Big Mac, da revista The Economist, coloca o real 29% acima do que deveria estar. Já Sidnei Nehme, da corretora de câmbio NGO, calcula que o dólar deveria custar R$ 2,10. Assim, a taxa atual, ao redor de R$ 1,96, estaria “7% fora do ponto”. “Quando mantido na faixa entre R$ 1,95 e R$ 2,05, o câmbio não impacta a compra de eletroeletrônicos, vestuário e brinquedos no exterior”, avalia Reginaldo Gonçalves, professor de ciências contábeis da Faculdade Santa Marcelina.

Por mais que o câmbio atrapalhe, ele não explica, matematicamente, o fato de as coisas custarem o dobro ou o triplo, no Brasil. Os impostos têm enorme peso, mas também não contam toda a história. O problema está também em um capitalismo sem riscos. Ou melhor, com todos os riscos nas costas dos consumidores.

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