Boy George assume o lado barato da beleza

LONDRES — Boy George fica praticamente irreconhecível vestido de homem. Meio careca, gordinho, camiseta preta do Banana Café de Paris…

Calça de brim, somente a fisionomia denuncia o andrógino ex-líder do Culture Club. Ele folheia o encarte de seu novo CD, Cheapness and Beauty, que está lançando no mundo inteiro, com uma turnê que inclui o Brasil no mês que vem. “Vou te dar um histórico de minha vida sexual”, diz o cantor e compositor inglês enquanto vai mostrando as fatos.

“Este é Kirk que disse que vai me processar por causa da música Unfinished Business.” Pudera. Kirk é casado e tem filhos, e na música Boy George relata o caso que tiveram anos atrás. Noutra página Jon Moss, baterista e ex-namorado, beija a bochecha de Boy George. Noutra ainda, com a caneca num travesseiro, está o atual, Michael um produtor de cinema.

Além de confissões amorosas, o quarto disco da carreira solo de Boy George traz uma guinada musical As cinco primeiras faixas são rock incluindo uma regravação de Funtime, de David Bowie e Iggy Pop. Só depois o disco cede para as baladas e a dance music que são a marca registrada de Boy George “Quero expressar algo mais verdadeiro e radical. Algo que só o som de uma guitarra rasgada pode me dar, diz o cantor.

Sua autobiografia Take It Like a Man (aceite como um homem), lançada em Londres em abril, provocou uma corrida de milhares de fãs às livrarias. Nela, Boy George lembra que aos vinte e poucos anos, no início do Culture Club, ele sempre dava então vistas ao lado de seu namorado e baterista Jon Moss. “Perguntavam para ele sobre música e para mim sobre roupas e quanto tempo eu levava para colocar a maquiagem”, lembra

 

Dez anos mais velho e talvez dez quilos mais gordo, reabilitado da heroína e tomando água mineral, Boy George tem o que dizer sobre sua música e outras coisas que leva a sério como mostrou ao receber o Caderno2 para essa entrevista no prédio de sua gravadora, a Virgin, na zona oeste de Londres. Quando não está cuidando da carreira solo, que a bem da verdade ainda não decolou, Boy George atua como DJ em festas badaladíssimas na Inglaterra e tem também um selo de dance music, More Protein. Ele vai completar 34 anos no Brasil, dia 14 de junho. Sua turnê, que já passou pelos Estados Unidos, Europa e Austrália começa dia 6, (e 7) no Olympia em São Paulo e segue para o Rio (dia 8, no Imperator), Santos (dia 10, na Reggae Night) e outras cidades.

Caderno2 – Você ainda está buscando um rumo na sua carreira solo?

Boy George – Não. O que isso quer dizer?

Caderno2 – Você adotou um estilo roqueiro nesse último disco.

Boy George – Qualquer pessoa verdadeiramente criativa está sempre misturando e mudando idéias, transformando a si mesmo e aos outros. Nunca fui leal a nenhum som. Sempre fiz o que quis. Sempre gravei o que quis. Isso desde o Culture Club. Se você me comparar com Pet Shop Boys, George Michael ou Madonna, não tenho um som característico como eles. Crying Game é um tipo de som muito diferente de Do You Really Want To Hurt Me, etc. Sempre houve sabores diferentes em minha música. Se é que estou buscando alguma coisa é o contrário. Não quero uma direção.

Caderno2 – As mensagens da secretária eletrônica (no início e no final de algumas músicas) são de verdade?

Boy George – São.

Caderno2 – É um toque de intimidade nas músicas para nos sentirmos em sua sala?

Boy George – As músicas são muito pessoais, muito diretas. Algumas mensagens tem a ver com as músicas. Outras estão lá porque achei engraçadas.

Caderno2 – Mas você acha que rock combina com intimidade?

Boy George – Não tenho idéias rígidas sobre o que é rock Nem gosto do termo rock. Prefiro o termo música. E o título do disco já é em si uma contradição: Cheapness and Beauty (cheapness é a qualidade do que é barato, vulgaridade, e beauty, beleza). A música é contraditória nela mesma, o que eu acho que sempre foi meu tema. As contradições são belas, e o mundo e a vida estão cheios delas. Tudo tem um propósito oculto. Nada e rígido.

Caderno2 – O que é o lado vulgar?

Boy George – Isso se refere a um certo elemento vadio. Sempre senti atração por vadios, vagabundo, pervertidos, e uma certa vulnerabilidade e imperfeição, que são umas das minhas qualidades favoritas em qualquer ser humano.

Caderno2 – Mas você declarou recentemente que está começando a cultivar seu lado forte também.

Boy George – Sim. se você comparar minhas músicas novas com as antigas, eu costumava me apresentar como um grande rejeitado. Uma vítima como em Do You Really Wanna Hurt Me? (você quer mesmo me ferir?). Acho que isso mudou. E minha música sempre foi muito coerente com meu estado emocional. Sou uma espécie de Liz Taylor do rock and roll. Quando ela está gorda todo mundo sabe. Quando ela tem uma briga com Richard Burton, é público. Esse disco reflete muito quem sou e onde estou agora. Há uma certa força e agressividade, mas há também alegria, vingança… um mapa das emoções humanas.

Caderno2 – Quando se fala em Boy George, duas coisas vêm à cabeça: a música e a personagem. Até que ponto a personagem ajudou e até que ponto ela atrapalhou a música?

Boy George – Acho que estilo e conteúdo são inseparáveis. Se você pensar em qualquer pessoa digna de ser lembrada na história do rock eles sempre tiveram mais do que a música: Little Richards, Elvis Presley, Jimmi Hendrix, David Bowie… Todas essas pessoas tinham estilo muito definido. Meu problema foi que todo mundo queria me entrevistar. E num certo momento minha personalidade se tornou mais relevante que minha música. Mas também o Culture Club ficou muito preguiçoso depois do segundo disco. Acontece com muitas bandas. Você vira um pop star fabuloso, e isso toma seu tempo. Você esquece da música. Tenho tido bastante tempo para experimentar e pensar no que quero fazer, encontrar um rumo. Quer dizer, é meio multidirecional, mas sinto claramente o que quero da música, o que quero falar. Nesse sentido, este disco é muito diferente de tudo o que fiz antes, porque dessa vez eu sabia o que queria. Levou cinco semanas para gravar e oito dias para mixar. Eu falava: “Essa música entra, essa não”. Os outros perguntavam: “Ficou louco?” E eu? “Não. Essa fica, essa não”. Estava bem no comando. Na época do Culture Club, como eu era o porta-voz, tinha toda a publicidade e a atenção, eu ficava muito afastado do estúdio. Então levou um tempo para eu descobrir minha capacidade como músico e produtor. E acho que encontrei um equilíbrio agora. Eu me sinto muito mais confiante. Se eu tivesse ficado no Culture Club, não teria chegado a este ponto.

Caderno2 – Em God Don’t Hold a Grudge (Deus não guarde rancor), voce diz: “É tarde demais para fazer de mim um homem”. O que isso quer dizer? 

Boy George – Estou falando da visão tradicional de homem. Essa música é sobre um menino falando com seu pai, dizendo: “Não consigo ser o que você quer que eu seja, não sei jogar futebol, não posso ser seu ideal de homem, porque isso não é minha vida. Mas acho que na sociedade existem muitas definições ridículas de masculinidade.

Caderno2 – O que é ser homem para você? 

Boy George – Um homem de verdade é o que pode ser sensível, demonstrar fraqueza, alguém que pode chorar, ter compaixão, admitir que está errado, ser forte, orgulhoso…

Caderno2 – Como a androginia entrou na sua vida? 

Boy George – Quando eu era pequeno, parecia uma garotinha. Todo mundo perguntava para minha mãe: – Qual o nome da sua filha? Na escola, todos me gozavam. E assim por diante. Foi o meu jeito de me vingar do mundo (risos).

Caderno2 -E o que você quer expressar hoje com isso? 

Boy George – Que não existe muita diferença. Se você observar velhos e velhas, muitos se tornam indefinidos sexualmente depois de uma certa idade. Claro que existem pessoas extremamente masculinas ou femininas, mas acho que a maioria das pessoas está no meio.

Caderno2 – E você não pensa em se apresentar vestido de homem, como está agora? 

Boy George – Nunca. Por que deveria?

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