Damien Hirst mistura sexo e morte em Londres

Ele selecionou outros 14 artistas europeus para a exposição escatológica ‘Some Went Mad, Some Ran Away’

LONDRES – “Alguns visitantes poderão achar as obras desta exposição chocantes e perturbadoras.” A advertência, na porta da Serpentine Gallery, é quase desnecessária. Afinal, ninguém em sã consciência iria a uma exposição de Damien Hirst – o maior expoente britânico da escatologia macabra – sem alguns comprimidos antináusea no bolso.

Hirst e outros 14 artistas da Grã-Bretanha, Alemanha, França e Estados Unidos estão na exposição Some Went Mad, Some Ran Away (Alguns Enlouqueceram, Outros Escaparam), que de Londres vai para Helsinque, Hannover e Chicago.

O tema é uma mistura de sexo e morte, na busca da combinação exata entre atração e repulsa. A obra mais controvertida é do próprio Hirst, que se notabilizou por expor animais em decomposição. Desta vez, uma ovelha está embebida em formol, dentro de uma caixa de vidro. Sinistramente, a obra se chama Away from the Flock (Longe do Rebanho).

Na semana passada, alguém jogou tinta sobre o vidro, em protesto contra esse tipo de arte. O incidente foi visto pela imprensa como mais um lance na escalada do chamado “fascismo cultural”, a luta pelo retorno aos valores da arte clássica. Nesse contexto, há cerca de um mês, o recém-criado grupo dos “hecklers” (ranhetas) estreou no Royal Opera House com uma vaia ensaiada durante a ópera Gawain, do músico contemporâneo Harrison Birtwistle. A guerra é sobretudo por verbas do governo, cada vez mais minguadas.

Voltando à Serpentine, a morte se impõe também em cinco fotos de jazigos distribuídas sobre o chão e emolduradas com ferro. Sobre os túmulos, as inscrições “primeira esposa”, “pai”, “mãe”, “irmão” e “irmã”. É preciso ler a ficha técnica para se ter certeza de que a obra de Sophie Caile, Les Tombes (As Tumbas), é fotografia, não granito. Essa, aliás, é uma das características que identificam esses jovens artistas, reunidos nessa exposição que tem Hirst como curador. Todos empurram os limites de seus meios para o conceito mais amplo de “instalação”.

Do outro lado do espectro, o sexo não é exatamente excitante. Ele aparece da forma menos controvertida – se é que a controvérsia cede algum espaço nessa exposição – nos dois óleos sobre tela de Marcus Harvey. Num emaranhado de manchas abstratas, divisam-se as linhas de corpos desnudos. Mas as funções genital e excretória dos órgãos se enlaçam pervertidamente.

O sexo se insinua também numa das instalações de Jane Simpson, Between (Entre). Duas formas arredondadas de compensado, lata, cobre e plástico se juntam numa superficie viscosa. Um refrigerador dentro da instalação mantém uma camada de gelo no encontro entre os corpos. Da mesma autora é Sacred (Sagrado), uma cômoda branca manchada de vermelho, da qual pinga água no chão. A terceira obra de Jane Simpson, que se amarra numa geladeira, é uma superficie de aço e de cobre com manteiga meio derretida, meio congelada, em cima.

Sexo, morte, violência e crime se reúnem nas fotos preto-e-branco de Hiroshi Sugimoto. Perfeitos bonecos de cera encenam assassinos e psicopatas sexuais, um deles com uma de suas vitimas ainda dentro da banheira. O boneco de Graham Young, o Envenenador de St. Albans aparece no corredor de um presídio de segurança máxima, cujas portas de aço horrorizam tanto quanto o assassino seqüencial.

Para se postar na entrada e saída desse circo terrível foi escolhida a Virgem Maria, de Kiki Smith, uma estátua de cera, entre cor da pele e de sangue, cuja nudez expõe os músculos e ossos, àaneira dos bonecos usados em aulas de anatomia.

Através portas de vidro da galeria, a visão alcança o Ryde Park que a circunda. Seu esplendor neste fim de primavera em Londres parece desmentir o microcosmo macabro de Hirst e seus amigos.

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