Londres exibe arte produzida na 1.ª Guerra – 7/11/1994

LONDRES – Mais de 8 milhões de mortos 21 milhões de feridos, 65 milhões de soldados mobilizados. Pela primeira vez foram empregados dirigíveis

LONDRES – Mais de 8 milhões de mortos 21 milhões de feridos, 65 milhões de soldados mobilizados. Pela primeira vez foram empregados dirigíveis, aviões, tanques, submarinos e gases venenosos para matar maciçamente. A ruptura que a 1.ª Guerra Mundial provocou na civilização se diluiu na consciência ocidental, à sombra da 2ª Guerra. Mas o fim da inocência, “a Grande Guerra”, por excelência, ocorreu entre 1914 e 1918. A arte e o testemunho da época estão na vanguarda do início do século. O Centro Cultural Barbican de Londres pela primeira vez reúne artistas dos dois lados da 1.ª Guerra, britânicos e alemães, franceses, italianos, russos, americanos, poloneses e checos.

São 225 obras, entre pinturas,desenhos, gravuras e esculturas, do pré ao pós-Guerra. A exposição, que fica em cartaz até 11 de dezembro, tem como título Uma Verdade Amarga, inspirado na seguinte frase do principal pintor britânico da 1ª Guerra, Paul Nash, numa carta enviada do front em 1918: “É inefável, não há Deus nem esperança. Não sou mais um artista interessado e curioso. Sou um mensageiro que levará o recado dos que estão lutando para aqueles que querem que a guerra continue: débil, desarticulada será minha mensagem, mas ela terá uma verdade amarga, e que ela queime suas almas vis.”

Assim como Paul e seu irmão John Nash, muitos artistas foram à guerra contratados pelos exércitos de seus países para retratá-la ou simplesmente para combater. Outros ficaram em casa por incapacidade de lutar ou por pacifismo. A exposição acompanha toda a trajetória, das premonições de uma catástrofe no início dos anos 10, do ufanismo e dos receios característicos da época diante de um mundo dominado pela máquina, até a realidade da guerra, o impasse no equilíbrio de forças entre os aliados e as potências centrais e a desilusão. 

Em 1912, predominavam ainda a leveza e a inocência quando Marc Chagall pintou soldados, uma cena satírica, com as personagens esboçando feições ingenuamente conspiratórias. Mas já surgiam na época quadros como Artilharia Pesada em Ação, do checo Bohumil Kubista, em que a guerra é mostrada como uma engrenagem.

Quando a guerra foi declarada, no verão de 1914, alguns artistas responderam com excitação. O alemão Otto Dix, que partia para o campo de batalha, pintou um auto-retrato em que o artista-soldado se revela belicoso e desafiador, refletindo um entusiasmo que não duraria muito. No ano seguinte, Dix pintaria um Auto-Retrato como Alvo de Tiro. O artista tem um olhar aterrorizado, o rosto contraído, como que à espera do disparo inimigo.

Outros receberam a notícia da guerra com melancolia. Em O Alojamento dos Marinheiros, de Giorgio de Chirico, a caserna é vista por entre os vãos de planos superpostos, que abrigam um tabuleiro, bolas e apetrechos de vários esportes. O primeiro plano parece ser a memória do cotidiano dos recrutas e o fundo, sua nova realidade. Estamos em 1914, o ano em que ocorreu essa passagem, e as imagens se sobrepoem em camadas, como na consciência, de maneira surrealista.

Nada que desencorajasse os futuristas. Eles acreditavam na guerra como um elemento purificador, como um impulso necessário rumo ao futuro. O único futurista inglês, Christopher Nevinson, disse ao jornal Daily Express, em fevereiro de 1915: “Esta guerra será um incentivo violento ao futurismo, pois acreditamos que não haja beleza a não ser no conflito, nem obra-Prima sem agressividade.” O entusiasmo de Nevinson se confirma em A Metralhadora. Três soldados com suas armas reluzentes numa trincheira formam uma cena “clean”. As formas angulares, os tons frios transmitem uma modernidade e uma certeza que, por alguns instantes, fazem esquecer os ratos, o desconforto e o horror das trincheira da 1.ª Guerra.

Imagine-se então a frustração dos futuristas italianos. A Itália permaneceu neutra até 1915. Em campanha para que a Itália entrasse na guerra, os futuristas Giacomo Balla, Carlo Carrà e Mario Siron produziram imagens agressivas e pujantes.

A guerra se encarregaria de dissipar esse entusiasmo. Em 1916, as batalhas de trincheiras se transformaram em carnificina e os dois lados se equilibraram em linhas estáveis. O efeito que essa experiência teve sobre a visão de mundo da época está resumido na história de uma escultura de bronze, o Perfurador, de Jacob Epstein. Criada em 1913, a princípio ela exibia um operário montado no tripé de uma máquina. A broca era de verdade, como um ready-made de Duchamp. O operário foi modelado por Epstein.

O conjunto compunha uma imagem triunfante, do poder do homem com sua máquina sobre a natureza. A escultura foi exposta assim na mostra do Grupo de Londres, na primavera de 1915. Em 1916, quando a destruição escalava para um patamar desconhecido e incontrolável, Epstein expressou o trauma e o sentimento de perda fazendo mudanças drásticas em sua escultura. A perfuradora e o tripé foram retirados, e alguns membros do operário amputados. Diminuído, o homem adquiriu um aspecto vulnerável e cansado. Em seu estômago, Epstein moldou um feto.

A forma embrionária de uma criança, alojada de modo tão incongruente em seu estômago, parece perigosamente exposta”, diz um texto colocado ao lado da escultura de Epstein. “O perfurador avariado vaga em busca de possíveis agressores, incapaz de assegurar a proteção da nova geração que está para nascer.”

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