Brasil atende a Argentina e retira subsídio

Bens de consumo que o País exporta para o Mercosul ficarão excluídos dos benefícios do Proex.

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – O Brasil decidiu excluir os bens de consumo exportados para o Mercosul dos benefícios do Programa de Financiamento das Exportações (Proex) e apaziguar a Argentina. Ao fim da reunião entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem no Centro Técnico Aeroespacial, esse foi resultado mais concreto das intensas negociações a que se dedicaram as delegações dos dois países durante a semana.

Após encontro de uma hora e meia na sala do comandante do CTA, FernandoHenrique e Menem assinaram, diante dos jornalistas, documento conjunto, batizado de Declaração de São José, no qual reafirmam seu compromisso com o avanço da integração e a coesão interna dos dois principais membros do Mercosul. A declaração foi lida por um funcionário brasileiro e mais tarde distribuída à imprensa. Nenhuma referência às concessões brasileiras.

Só depois da leitura, quando os jornalistas brasileiros e argentinos, separados das comitivas por uma corda, passaram a fazer, aos gritos, perguntas sobre temas concretos, foi que se teve uma idéia do que o Brasil ofereceu. O Proex não beneficiará mais os exportadores brasileiros de bens de consumo para o Mercosul – mas os benefícios serão mantidos para bens de capital vendidos no Mercosul e para todos os produtos brasileiros exportados para fora do bloco.

Ao comentar a concessão obtida, Menem referiu-se à eliminação de “subsídios” a bens de consumo exportados pelo Brasil no Mercosul. A qualificação de “subsídios” a essas medidas de financiamento das exportações e de equalização de condições para o exportador brasileiro competir com os de outros países não foi contestada por Fernando Henrique. Essa qualificação, segundo especialistas, pode respaldar os argumentos para processos contra o Brasil no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), por países que oferecem condições de financiamento favoráveis para seus respectivos exportadores.

Documento final de uso interno das duas delegações, que não foi distribuído à imprensa, confirma a exclusão do Proex no âmbito do Mercosul e outras concessões feitas à Argentina. Indagado pelo Estado se a isenção de ICMS para produtos de exportação ao Mercosul seria revista, Fernando Henrique respondeu que não. Outra medida sobre a qual se especulou, a revisão dos prazos de financiamento para importação, não foi mencionada nem pelos presidentes nem pelo documento interno.

O tema da moeda única para o bloco também não foi abordado em público. Em entrevista veiculada na quinta-feira pelo Canal Azul, da Argentina, Fernando Henrique disse que concorda com a proposta da moeda única, “a longo prazo”.

Ontem, Menem, indagado por um jornalista argentino se a adoção do dólar na Argentina, por ele preconizada, não afetaria a soberania do país e as relações com o Brasil, respondeu que não e demonstrou entusiasmo pela idéia. Disse que o tema não tem que ver com soberania: “Quantas vezes mudamos de soberania nos últimos anos na Argentina?”, ironizou, referindo-se às freqüentes mudanças no nome da moeda. “Quando o Brasil importa da Argentina, paga em dólar, não em peso”, assinalou Menem. “Não fará diferença para o Brasil.”

Como era previsível, o tom da declaração conjunta e das considerações posteriores a sua leitura foi de total amabilidade e compreensão mútua dos problemas dos dois países – o Brasil, com sua decisão de deixar flutuar livremente o câmbio, e a Argentina, com seus temores de uma “avalanche” de importação de produtos brasileiros, beneficiados pela desvalorização do real.

A declaração conjunta considera “prematuro extrair, neste momento, conclusões sobre os possíveis efeitos da nova realidade cambial brasileira sobre a situação das economias e sobre as relações comerciais dos dois países”. De fato, em janeiro, em vez da tal “avalanche”, as importações de produtos brasileiros na Argentina caíram 35%, em comparação com igual período em 1998. Negócios foram suspensos à espera da estabilização do real.

Os dois presidentes disseram ver o Mercosul como respaldo à credibilidade internacional de seus países. Prometeram “consolidar e aprofundar” a integração, anunciando sua futura extensão do setor comercial para o de serviços e a abertura para a participação dos empresários de todos os países membros nas compras feitas por qualquer um dos governos, por licitação.

Segundo Fernando Henrique, os quatro países membros buscarão “convergência macroeconômica”. Fernando Henrique, que esteve na semana passada com o presidente uruguaio, Julio María Sanguinetti, e anteontem com o paraguaio, Raúl Cubas Grau, disse que todas essas medidas já vinham sendo discutidas com os dois outros países membros do Mercosul. E serão ratificadas em reunião de cúpula dos quatro, no dia 21, no Rio. Do lado brasileiro, participaram ontem do encontro os ministros da Fazenda, Pedro Malan, das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, e do Desenvolvimento, Celso Lafer; do lado argentino, o ministro da Economia, Roque Fernández, o chanceler Guido di Tella e o secretário-geral da Presidência, Alberto Kohan; além dos secretários de integração e comércio exterior dos dois países.

Originalmente, a reunião seria realizada – por uma escolha que ninguém explicou – em Campos do Jordão, no Palácio Boa Vista, pertencente ao governo de São Paulo. Ontem às 10h30, foi subitamente transferida para São José dos Campos, onde Fernando Henrique já havia desembarcado, às 9h45, e Menem desembarcaria, às 11h10. A neblina – comum – na serra que separa as duas cidades não permitia a viagem de helicóptero. Cerca de cem jornalistas, membros dos cerimoniais e assessores formaram um comboio, em disparada, pela estrada.

Fernando Henrique almoçou às 14 horas com Menem e partiu, de helicóptero, para seu sítio em Ibiúna. O presidente argentino embarcou de volta para Buenos Aires.

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