O G-7 contra Putin

TILLERSON EM MEMORIAL A VÍTIMAS DO NAZISMO: na mira estão “todos aqueles que cometem crimes contra inocentes”/ Max Rossi/ Reuters

Muitas vezes o G-7, o grupo das sete nações mais avançadas do mundo, reuniu-se com a Rússia, formando o G-8. Nesta segunda e terça-feira em Lucca, na Itália, o encontro dos ministros das Relações Exteriores se restringiu ao G-7, mas o seu principal interlocutor é de novo a Rússia. O grupo ameaça o país com mais sanções, se mantiver seu apoio à Síria.

O secretário de Estado americano, Rex Tillerson, sai de Lucca diretamente para Moscou, para se encontrar com o chanceler russo, Sergey Lavrov, e transmitir as pressões dos EUA e de seus aliados no G-7: Canadá, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália e Japão. O secretário britânico das Relações Exteriores, Boris Johnson, disse que o apoio ao regime de Damasco “está intoxicando a reputação da Rússia”, e propôs sanções contra militares sírios e russos.

Normalmente esse tipo de sanções inclui o congelamento de depósitos bancários e a proibição de viagens aos países que as impõem. Em Paris, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse que apoia uma ampliação das sanções impostas contra a Rússia em 2014 por causa da anexação da Crimeia e do apoio velado a separatistas russos no leste da Ucrânia.

Os anfitriões italianos convidaram os ministros das Relações Exteriores da Turquia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Catar e Jordânia para participar da reunião nesta terça-feira. Esses países, de maioria sunita, opõem-se ao regime sírio e são rivais regionais da teocracia xiita do Irã, que apoia Assad, pertencente à minoria alauíta, ramificação do xiismo.

Antes da reunião do G-7, o chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, pediu para falar pelo telefone com seu colega italiano, Angelino Alfano, sobre o conflito na Síria. O teor da conversa não foi revelado. Mas, num telefonema no domingo, os presidentes do Irã, Hassan Rouhani, e da Rússia, Vladimir Putin, consideraram “inadmissível” o disparo de 59 mísseis Tomahawk contra a base síria de Shayrat, na quinta-feira 6 , por dois destróieres americanos no Mediterrâneo.

Já Johnson chamou a ação americana de “virada do jogo”. De fato, a posição do presidente Donald Trump sobre o conflito sírio está mudando drasticamente. Em agosto de 2013, quando se constatou pela primeira vez que o regime sírio havia usado armas químicas contra sua população em Alepo, deixando cerca de 1.000 mortos, Trump disse que o então presidente Barack Obama não devia cumprir a ameaça feita no ano anterior de castigá-lo. De fato, Obama não o fez.

Durante a campanha do ano passado e mesmo depois de eleito em novembro, Trump sustentou a posição de que a prioridade era derrotar o Estado Islâmico no Iraque e na Síria, e se mostrou disposto a cooperar com os governos russo e sírio para atingir esse objetivo. Em entrevista no domingo com a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, o âncora do programa Estado da União, da CNN, Jake Tapper, perguntou se “mudança de regime” tinha se tornado prioridade agora. “São prioridades múltiplas”, explicou a embaixadora. “Tirar Assad não é a única prioridade. O que estamos tentando fazer obviamente é derrotar o EI. Em segundo lugar, não vemos uma Síria pacífica com Assad lá. Terceiro, tirar a influência iraniana”, disse ela, referindo-se ao apoio do Irã ao regime sírio, que inclui o envolvimento da milícia xiita libanesa Hezbollah, patrocinada pelo país. “Finalmente, avançar para uma solução política, porque no final das contas é uma situação complicada. Não há respostas fáceis. Mas sabemos que não há soluções políticas com Assad à frente do regime. Se você olhar para as ações dele, para a situação, vai ser difícil ter um governo pacífico e estável com Assad.”

Depois do bombardeio com gás sarin na terça-feira 4 contra a cidade de Khan Sheikhoun, na província de Idlib, controlada pelos rebeldes, Trump afirmou que a Síria havia “cruzado muitas linhas”, usando a mesma expressão de Obama em 2012, quando disse que se usasse essas armas o regime estaria “cruzando uma linha vermelha”.

O âncora perguntou à embaixadora se as armas químicas “são a única linha”, considerando que o regime massacra sua população também com armas convencionais. “Vítimas inocentes foram atacadas por um regime terrível”, respondeu Haley. “A Rússia tentou encobrir isso, ou dar desculpas para Assad. Ele (Trump) disse que não ia tolerar isso. Vendo as fotos e o horror daquela ação, sabendo que foi uma violação da Convenção sobre Armas Químicas e de múltiplas resoluções do Conselho de Segurança, ele disse: ‘Chega, não vamos mais assistir a isso’.”

O âncora exibiu então um vídeo de 2015, no qual Trump, já como pré-candidato republicano, voltou a criticar uma ação militar americana: “O que vamos fazer agora? Começar uma 3.ª Guerra Mundial na Síria?” Tapper perguntou o que tinha mudado, já que o ataque de 2013 fora muito mais mortal que o da semana passada, que deixou 89 mortos. “Não sei qual foi o raciocínio dele na época, mas sei qual foi nesta semana e ele não vai aceitar o uso de armas químicas”, respondeu Haley. “E ele não só disse, mas agiu. E o que vimos nas Nações Unidas foi um enorme suspiro de alívio e de gratidão pela ação dos Estados Unidos.”

A embaixadora completou: “Fizemos um apelo à Rússia porque precisávamos, colocamos o Irã de sobreaviso porque precisamos da influência deles. Espero que Irã, Síria e Rússia vejam que esse não é um presidente que tem medo de agir. Ele quer avançar para uma solução política, mas eles precisam demonstrar disposição genuína para fazer isso”. Ela acrescentou que “muitas respostas precisam vir do encontro” de Tillerson com Lavrov. “Nada está descartado. Você vai ver uma liderança forte. Os Estados Unidos continuarão a agir quando precisar”.

As declarações de Haley deixam claro o incentivo político representado pela oportunidade de Trump diferenciar-se de Obama, que não cumpriu a ameaça de 2012 contra a Síria por medo de a queda de Assad reforçar o poder dos grupos radicais islâmicos. Outro incentivo óbvio é o de distanciar-se do presidente russo, Vladimir Putin. As investigações do FBI sobre as ligações entre membros da equipe de Trump e o regime de Putin, e da interferência russa nas eleições americanas, com o vazamento de emails da equipe da candidata democrata Hillary Clinton, tiraram precocemente credibilidade do novo presidente americano. Com menos de três meses no cargo, Trump tem o índice de popularidade mais baixo da história recente para um início de governo: 36%.

Num gesto simbólico, que representou a nova ênfase da política americana sobre a Síria e a Rússia, Tillerson visitou nesta segunda-feira a cidade italiana de Sant’Anna di Stazzema, cenário de um massacre de mais de 500 pessoas pelos nazistas em 1944. Antes de seguir de lá para Lucca, o secretário de Estado americano declarou: “Nós nos empenhamos a fazer com que prestem contas todos aqueles que cometem crimes contra inocentes em qualquer lugar do mundo”.

A Rússia não se deixou impressionar. “Voltar a pseudo-tentativas de resolver a crise repetindo mantras de que Assad tem de deixar o poder não pode ajudar a resolver as coisas”, advertiu Dmitry Peskov, porta-voz de Putin.

Há muito em jogo também para o presidente russo. A base naval de Tartous, na costa noroeste da Síria, é a única de que a Rússia dispõe no Oriente Médio. Ter uma presença na região é vital para ser uma potência relevante no mundo. Como ficou demonstrado desde 2014, na Ucrânia, sanções não são suficientes para demover os russos, quando eles identificam que o seu interesse nacional está em jogo.

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