Um mundo de faz-de-conta

Não é pelo cultivo do ócio que muitos professores se recusam a dar mais aulas, mas pelo contrário: porque estão ocupados com outras coisas, como pesquisas, consultorias, seus escritórios particulares e até num segundo emprego noutra universidade, já que a lei lhes dispensa 20% da carga horária para isso.

Dos 50.165 professores das universidades federais, 33.040 – dois terços – ganham por “dedicação exclusiva”, um termo que guarda pouca relação com seu significado semântico.

“Não vejo por que todo mundo tenha que ter regime de 40 horas de dedicação exclusiva”, pergunta-se Maria Helena Guimarães de Castro, do Ministério da Educação. “Acho que isso é falso. Sou muito mais a favor de uma carreira que tenha flexibilidade suficiente para entender que há professores que se dedicarão 20 horas à universidade e o médico, dentista, advogado, economista, administrador de empresas e o engenheiro se dedicarão a seu trabalho fora.”

Um dos critérios de avaliação das universidades instituídos pelo MEC, no entanto, é a proporção de professores com dedicação exclusiva. “Não estou dizendo que todos têm que ter 20 horas, mas que não devemos ter a camisa-de-força de que a única carreira válida é a de 40 horas”, emenda a secretária de Educação Superior. “A própria avaliação deveria levar em conta isso, porque, se não, a gente vai estar num mundo de faz-de-conta.” Para Maria Helena, “é uma maquiagem que está carregada de corporativismo exacerbado, muitas vezes até irresponsável, que é um dos maiores males da universidade pública brasileira”.

Cursos noturnos – A deficiência na formação de professores nas universidades federais também tem relação com o problema da dedicação e da produtividade. Os professores que já estão dando aula no ensino básico e que necessitam fazer a graduação têm que freqüentar um curso noturno, já que geralmente trabalham o dia todo. Mas os professores das universidades públicas, sobretudo das federais, resistem à idéia de dar aula à noite.

Algumas universidades no Nordeste, onde a carência de professores do ensino básico com diploma de graduação é mais aguda, não oferecem nem 5% de matrículas noturnas. “Não posso entender por que a USP tem 45% das suas matrículas no noturno e a média do segmento federal é de 22%”, exaspera-se Maria Helena.

Dos alunos matriculados no ensino médio no Brasil, 55% trabalham de dia e estudam à noite. É aí que as instituições particulares entram de cheio:

praticamente 80% das matrículas no setor privado são em cursos noturnos.

Não que o setor privado não deva ter sua fatia de mercado. “Não se deve olhar a iniciativa privada como oposta ao ensino público”, diz Luiz Felippe Perret Serpa. “A história brasileira mostra que são processos complementares. Nunca a sociedade brasileira pôde financiar a educação totalmente pelo Estado.” Mas a universidade pública, completa o consultor Simon Schwartzman, “tem que atender mais à demanda, o que nem o setor privado está fazendo bem”.

A média de alunos por professor nas universidades particulares é de 17 – abaixo ainda da média dos países da OCDE, que é 18. A ociosidade não é privilégio das universidades públicas. Mas não por muito tempo. Entre 1994 e 1999, as matrículas no ensino médio cresceram 57,3%, enquanto, nos cursos de graduação, aumentaram 28%.

Até os pesquisadores de ponta poderiam freqüentar um pouco mais as salas de aula nas universidades públicas. Ainda assim, haveria o problema do excesso de ênfase na pesquisa, em detrimento da formação de profissionais e professores. “A universidade criou a falsa idéia de que todos terão que ser grandes cientistas, quando sabemos que os cientistas em qualquer país representam uma fração pequena da população”, analisa Maria Helena, do Ministério da Educação.

Digamos que um jovem queira ser professor. Ele tem dois caminhos, na universidade pública. Ou ingressa no curso de pedagogia, onde vai aprender tudo sobre o processo de aprendizagem, ou escolhe a carreira de sua preferência, como física, biologia, etc., e tem uma formação eminentemente de pesquisador. Passa quatro anos estudando a ciência, no chamado bacharelado, e, no último ano, na licenciatura, “recebe uma tintura para ser professor”, na expressão de Luiz Felippe Perret Serpa, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Faz curso de didática no finzinho, e dorme nas aulas”, completa Guiomar Namo de Mello, do Conselho Nacional de Educação.

“Não vê nenhuma relação entre a ciência que estudou e a didática.”

Resumindo, “há os que sabem tudo sobre como as pessoas aprendem, mas não sabem o que elas aprendem”, diz a educadora, referindo-se aos que fazem pedagogia. “E há os que sabem tudo do conteúdo, mas não têm idéia de como ensinar.” Na visão dos especialistas em educação, é preciso separar a formação do cientista da do professor, que não precisa ser um grande pesquisador, mas tem de saber ensinar a um jovem, que tem interesses variados e não seguirá necessariamente a carreira referente àquela disciplina.

Falsa utopia – “O modelo não está bom”, reconhece Maria Helena. Todas querem seguir o caminho das universidades federais e estaduais de ponta, como as de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas e Brasília. “O sistema não comporta, isso não existe em nenhum país do mundo”, adverte. “É uma falsa utopia todas quererem ser iguais às melhores.

Elas podem ser melhores naquilo que elas são e descobrir o nicho em que vão atuar”, diz ela, referindo-se à formação de profissionais em determinadas áreas e de professores. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, até 2007, todos os professores terão de ter, no mínimo, título de graduação.

Como as universidades públicas não têm suprido essa demanda, as particulares ocupam o mercado.

A formação de professores no Brasil é um curioso cruzamento social, observa Guiomar Namo de Mello. Quem estuda numa boa escola particular, consegue passar no vestibular para universidade pública e, se quiser, pode ir, depois, ser professor numa escola particular, que paga melhor. Já quem estuda em escola pública só consegue ingressar em universidade privada e, em geral, dado o prestígio menor do diploma, tende a se tornar professor de escola pública.

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