Brasil busca papel de líder regional na ONU

Em discurso na Assembléia-Geral, Lampreia cita todos os países sul-americanos.

O chanceler Luiz Felipe Lampreia abriu ontem a 54.ª Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, com uma vigorosa defesa da estabilidade econômica e política na América Latina. Citando um por um todos os países da América do Sul e o México, num discurso para a comunidade internacional tanto diplomática quanto financeira, ele procurou exorcizar a imagem da região como “terra de atraso e ditaduras” e de instabilidade econômica.

Em vez das preleções genéricas que caracterizam os discursos na Assembléia-Geral, o Brasil optou este ano pelo tratamento específico dos temas que interessam mais de perto o País. Dos 60 parágrafos do discurso, no entanto, apenas três foram dedicados à situação interna do Brasil. O chanceler ocupou-se de explicitar as responsabilidades brasileiras em relação à América Latina, a países de língua portuguesa e à própria atuação da ONU.

Lampreia começou criticando a inação da ONU perante desastres humanitários, que a tornam alvo de “frustração e impaciência”. Citou três exemplos. Em Kosovo, “as providências acabaram por dar-se à margem da ONU”, disse, referindo-se ao fato de a intervenção ter sido no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Na época, o Brasil postulou que a intervenção fosse conduzida pelo Conselho de Segurança da ONU.

Em Timor Leste, “as medidas concertadas não foram suficientes para atender às necessidades concretas”. A ONU organizou o plebiscito, mas deixou a segurança inteiramente a cargo da Indonésia. Além disso, “as Nações Unidas têm diante de si, como acontece em Angola, conflitos que, apesar das conseqüências catastróficas de todos conhecidas, não recebem a prioridade devida por parte da comunidade internacional”. Os dois povos foram chamados de “irmãos” do Brasil por causa da língua. O Brasil disputa com Portugal a influência sobre os países lusófonos.

O chanceler realçou os avanços da América Latina, como um todo, em relação à redemocratização e à ” adoção de políticas econômicas consistentes”, que livrou os países de “eternos dilemas” ligados aos “longos surtos inflacionários”, causadores de “incerteza” e “injustiça”. E arrematou: “Ninguém pense que as dificuldades que experimentamos durante 1999 nos farão retroceder e perder as conquistas que alcançamos.”

No único momento em que falou da situação interna, o chanceler lembrou que, no início do ano, o País chegou a ser visto como “o homem doente da América Latina”, com previsões sombrias de que recairia na inflação alta e recessão profunda. Disse que o Brasil tem hoje inflação inferior a 8% e “perspectiva de crescimento sustentado superior a 4% ao ano”, e está “pronto para completar um grande programa de modernização, por meio de importantes reformas na área tributária, fiscal e da previdência social”.

Segundo o chanceler, “não haverá vacilação na determinação do presidente Fernando Henrique Cardoso de consolidar as bases de um país moderno, economicamente sadio e dinâmico, socialmente mais justo e politicamente maduro.”

Em meio à turbulência nas relações entre Brasil e Argentina, ele enfatizou a “sólida amizade” que une os dois povos. “O Mercosul mudou o mapa econômico do hemisfério e do mundo”, celebrou. “Nossa integração não se volta contra quem quer que seja, ao contrário, procura reforçar os laços históricos que mantemos dentro e fora das Américas”, disse, referindo-se à aproximação com a União Européia e às negociações para a Área de Livre Comércio das Américas. Frisou que o objetivo dos países do Mercosul é um comércio mais “aberto” e “equilibrado”, sem “privilégios protecionistas, cujo custo incide principalmente sobre nações em desenvolvimento”.

Lampreia lembrou os acordos que puseram fim à disputa fronteiriça entre Equador e Peru, sob patrocínio de Brasil, Argentina, Chile e EUA. Salientou as “vitórias” do Peru na economia e no combate ao narcotráfico e ao terrorismo e a “capacidade de vencer dificuldades” do Equador. “As eleições de outubro na Argentina haverão de confirmar a vitalidade política de nosso vizinho e assegurar, na economia, as condições necessárias à estabilidade e à retomada do crescimento.” Segundo ele, a expectativa é a mesma em relação às eleições no Chile e no Uruguai, este ano, e no México, em 2000.

Lampreia lembrou que o Paraguai “conseguiu vencer delicada crise política no início deste ano” e sublinhou “o decidido apoio do Brasil”, que participou dos desfechos das crises institucionais vividas pelo vizinho nos últimos dois anos. Lampreia elogiou os esforços da Guiana em favor da democracia e da integração, referindo-se ao interesse do país de participar do Mercosul. “Fazemos votos de que o Suriname será capaz de juntar-se ao curso central dos progressos que estamos alcançando na região.”

O chanceler deu dois recados incisivos. Disse que o processo de mudanças na Venezuela tem de ser respeitado, porque surgiu do desejo de seu povo, mas acrescentou que “a expressão dessa vontade pelas vias institucionais é a melhor garantia de que as transformações vão manter-se no caminho do respeito às normas, direitos e deveres que definem a democracia”.

Ele rejeitou “ingerências externas indevidas” na Colômbia, referência que vale tanto para Venezuela como para os EUA e a Argentina. “A despeito de todas as dificuldades, a América Latina vai-se transformando num espaço fortemente integrado e é com esse espírito de integração, com a permanente consciência de que pertencemos a uma mesma família, que o Brasil se sente muito próximo dos diversos processos de renovação em curso na região.”

O chanceler da Argentina, Guido Di Tella, considerou “importante” o discurso de Lampreia. “Em que pesem as dificuldades vividas no momento por Argentina, Brasil e pelo bloco comercial, o presidente Cardoso aposta fortemente na integração”, afirmou ele. “A estabilidade que a Argentina tem demonstrado nesta década é uma contribuição ao bloco, que haverá de redefinir-se e fortalecer-se.”

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