Europeus reconhecem danos causados por subsídio

Tema, abordado domingo pelo presidente Fernando Henrique, dominou discussões do Fórum Mercosul-UE.

RIO – A Comissão Européia reconheceu ontem que os subsídios aos produtos agrícolas europeus são um entrave à liberalização do comércio mundial, que terá de ser removido para abrir caminho à aproximação com o Mercosul. O tema, abordado no domingo pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em vigoroso discurso de abertura do Fórum Empresarial Mercosul-União Européia, dominou ontem as discussões entre representantes dos governos e empresários dos dois blocos.

Em seu painel, Martin Bangemann, membro da Comissão Européia, afirmou que o organismo sabe que o problema existe e sua solução será complexa, mas terá de ser encontrada. Bangemann, mais alto representante da Comissão Européia no fórum, fez um apelo para que o setor agrícola não seja excluído das negociações empresariais que se seguirão ao encontro. A exclusão chegou a ser cogitada. O discurso de Fernando Henrique deixou claro, no entanto, que é impossível a aproximação, com vistas a uma associação inter-regional, sem que o problema dos subsídios agrícolas europeus, que somam US$ 160 bilhões ao ano, seja atacado.

Não são só os sul-americanos que pensam assim. “Os empresários europeus que estão aqui são, em sua maioria, da indústria, e a grande luta deles é impedir que o lobby agrícola europeu – que tem muita força política, para um setor que emprega apenas 2% ou 3% da população – continue emperrando o comércio”, disse o ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia. “Essa contradição entre interesses industriais e agrícolas é um problema que a indústria européia vai ter de resolver.” Segundo Lampreia, que esteve em dezembro na Alemanha, nem o governo alemão esconde isso. “O governo alemão não aceita mais que uma parcela tão grande do orçamento da União Européia seja canalizada para subsídio agrícola”, disse o chanceler brasileiro. “Há claramente agora uma oportunidade importante para fazermos progressos no sentido da remoção dos subsídios à produção e à exportação e a redução de barreiras para o acesso aos próprios mercados europeus.” Lampreia concluiu: “Pela primeira vez em mais de 40 anos, estamos entrando numa situação em que há uma perspectiva. Temos que empurrar aqui.”

O português Francisco Câmara Gomes, representante da Comissão Européia, enfatiza que o tema é politicamente sensível. “Bruxelas está praticamente em estado de sítio hoje”, disse ele, referindo-se às manifestações de agricultores europeus na sede da União Européia. “Mas vemos com bons olhos a rodada do milênio, e esse é naturalmente um dos temas centrais.” A nova rodada da Organização Mundial do Comércio começa em novembro, em Vancouver.

O Brasil responsabiliza o protecionismo europeu pela desigualdade no crescimento do comércio entre o Mercosul e a União Européia. Entre 1990 e 1996, denunciou o presidente Fernando Henrique, as importações do Mercosul de produtos da UE deram um salto de 274%, enquanto as exportações cresceram apenas 25%.

Mas a preocupação brasileira não se restringe a esse desequilíbrio. Membros do governo e empresários do Brasil presentes no fórum enfatizaram a importância estratégica das relações entre o Mercosul e a União Européia, para fazer frente à influência dos Estados Unidos no hemisfério e fortalecer a posição dos países do Cone Sul nas negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas. “Não desejamos botar todos os nossos ovos na mesma cesta”, declarou Lampreia.

O valor da UE como alternativa estratégica também é enfatizado por Osvaldo Moreira Douat, presidente do Conselho de Integração e vice-presidente da Confederação Nacional das Indústrias. “O estreitamento das relações comerciais com a União Européia é importante para o fortalecimento de nossa posição no mercado”, disse Douat. Essa força suplementar advém do euro, como nova moeda mundial.

A eventual integração Mercosul-UE é vista com muito mais frieza pelos argentinos. “É uma coisa para o futuro”, disse o presidente da União Industrial Argentina, Alberto Gaiani. Segundo ele, o secretário argentino de Relações Econômicas Internacionais, Jorge Campbell, “deixou muito claro que é mais importante terminar a engrenagem do Mercosul do que aproximar-se de outras regiões, como União Européia, Alca e Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte)”.

Em Buenos Aires, segundo jornalistas argentinos que cobrem essa área, o fórum, que termina hoje no Rio, não está sendo associado à questão da aproximação com a União Européia. O único tema que realmente importa, para os argentinos, é que novas compensações os empresários e o governo brasileiros podem oferecer para a queda de competitividade argentina decorrente da desvalorização do real.

Já os europeus, como os brasileiros, vêem no estreitamento com o Mercosul um imperativo estratégico. “Estamos muito preocupados porque os Estados Unidos estão com seus olhos postos no sul”, disse Hans-Olaf Henkel, presidente da Câmara da Indústria da Alemanha (o equivalente alemão da CNI). “A aproximação do Mercosul é uma questão-chave para a Europa.” Henkel alegou que, na “década perdida” (os anos 80), “os investidores europeus ficaram aqui” e eles “contribuíram para o desenvolvimento dos países do Mercosul”.

Para o subsecretário de Integração Econômica e Comércio Exterior do Itamaraty, José Alfredo Graça Lima, a aproximação só depende dos europeus.

Segundo Graça Lima, cabe à UE demonstrar “disposição” de avançar. Leia-se disposição de retirar suas barreiras protecionistas. E não só na agricultura.

“Não consigo entender por que o Brasil exporta mais manufaturas para os Estados Unidos do que para a UE”, disse ele. “Pode haver também algum tipo de proteção embutido que será preciso investigar.”

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