FHC pede crédito ao BID para o comércio

Medida garantiria retomada do intercâmbio com o país vizinho.

KIEV – O Brasil pediu que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) abra uma linha de crédito para o comércio com a Argentina, paralisado desde dezembro, depois que o país suspendeu os pagamentos externos. De Kiev, o presidente Fernando Henrique Cardoso falou sobre o tema com o presidente do BID, Enrique Iglesias; com o do Chile, Ricardo Lagos; e com o ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Técnicos do governo brasileiro examinam os detalhes da operação com o BID.

Representantes do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio devem seguir hoje para Buenos Aires para discutir a revisão das regras do Convênio de Crédito Recíproco (CCR), que rege a compensação entre os bancos centrais, para protegê-los dos riscos de calote. Uma linha stand-by do BID serviria de garantia adicional para o sistema. O ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, espera que o esquema esteja pronto no início da semana que vem.

Em entrevista ontem, em Kiev, Fernando Henrique disse que está em jogo a continuidade do comércio exterior da Argentina. “O Brasil está vendo o que pode fazer, mas, como tenho reiterado, numa questão dessa natureza, os argentinos é que têm de se entender”, observou o presidente, referindo-se à crise argentina. “Tem de haver uma definição política.”

O presidente fez as declarações durante uma breve pausa, enquanto caminhava pelo Museu Nacional de Lavra, sob um frio de 14 graus negativos. O museu está instalado numa cidadela erguida no século 11, composta por três igrejas e um dos mais antigos monastérios ortodoxos de Rus, o Estado russo medieval, com sede em Kiev.

“O presidente (argentino Eduardo) Duhalde tem feito um grande esforço e cabe a nós, do Mercosul, apoiar esse esforço”, afirmou Fernando Henrique. “Não é fácil sair de uma crise como a que a Argentina está vivendo e acho que não se pode exigir ou mesmo desejar que a Argentina tome rapidamente todas as medidas necessárias. A Argentina vai ter que fazer esforço durante um certo período de tempo e nós vamos ter de ajudar.”

Fernando Henrique disse que o presidente do BID está disposto a oferecer as garantias, que servirão de respaldo adicional à ação dos bancos centrais. De acordo com o ministro Sérgio Amaral, a idéia é fazer com que o BID torne essa uma linha de crédito permanente, “de forma que possa revigorar o CCR para todos os (12) países da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi)”, impulsionando o “aumento do comércio na América Latina, que hoje está sendo afetado justamente pela falta de crédito”.

“Sem linha de crédito fica mais difícil, porque, hoje, você vende, mas não tem segurança de que vá receber”, explicou Amaral. De imediato, no entanto, segundo Fernando Henrique, o objetivo é proporcionar à Argentina condições para “se rearticular no comércio internacional”.

O presidente observou que, quando declara ser preciso reformar as instituições financeiras multilaterais, os jornais dizem que ele está criticando o Fundo Monetário Internacional (FMI). “Se criticar significa propor que melhore, é verdade, mas não estou dizendo outra coisa a não ser que há condições para melhorar, desde que haja decisão política, que implique uma participação maior dos países nas decisões dos organismos internacionais”, enfatizou Fernando Henrique, insistindo na tecla em que bateu várias vezes nessa viagem de quatro dias à Rússia e à Ucrânia.

“Ou reorganizamos as instituições mundiais para que elas possam ser ágeis e fazer frente à rapidez do processo de globalização ou essa globalização vai atropelar alguns países em benefício de outros”, analisou o presidente. Ele assegurou que o Brasil, “graças ao enorme desenvolvimento nas últimas décadas e ao fato de que está se inserindo com independência razoável no processo mundial”, não está sendo atropelado, como ocorre com “setores” da América Latina e “porções” da África. Mas, apesar de ser um país emergente, o Brasil tem um “peso” que exige que ele assuma “atitude ética de maior solidariedade e responsabilidade”.

O presidente acrescentou que a idéia de uma globalização solidária pode parecer utópica, mas que utópico, mesmo, é ir contra a globalização, atitude que ele comparou a ir contra a máquina a vapor, quando ela surgiu.

Fernando Henrique não quis falar de sucessão presidencial, nos últimos dois dias na Ucrânia. “Estou na Ucrânia e não sei sobre sucessão. Quando voltar, vou me informar. Quando chegar ao Brasil, eu falo.” Depois da visita ao monastério, Fernando Henrique e a comitiva de três ministros e cinco deputados embarcaram de volta para o Brasil.

 

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