Lampreia: ‘o Brasil não vai ser um gigante bobo’

Para ele, discurso na ONU sobre valor de país vizinho não se choca com reação a protecionismo.

O Brasil não vai ser um “gigante bobo”. Com essa frase, o chanceler Luiz Felipe Lampreia defende a política externa brasileira para a Argentina. “Dar importância não significa que seremos passivos”, disse ele ao Estado, para argumentar que não há incongruência entre o valor atribuído à Argentina e ao Mercosul por seu discurso de segunda-feira na Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas e as fortes retaliações do Brasil às medidas protecionistas adotadas por Buenos Aires.

“Um conflito não significa ruptura”, disse Lampreia sexta-feira, ainda em Nova York, de onde voltaria sábado. “São questões de interesse pontuais, que são resolvidas pontualmente e não têm nada a ver com a importância global dada a um país.” Para o chanceler, “se conflitos comerciais levassem a rupturas, os Estados Unidos praticamente não teriam relações com ninguém, nem com Canadá, México, Europa ou Japão”.

“O Brasil não gosta de ser apresentado como líder, não precisa ficar se autodenominando isso ou aquilo”, respondeu ele, à pergunta de se, com seu discurso, o País lançou-se para a liderança da América Latina. “O Brasil é o que é; basta olhar para o mapa da América Latina, para ver a importância do Brasil.” Portanto, prosseguiu, “sendo o que é, é legítimo que o Brasil não só interceda, mas tenha solidariedade com nossos vizinhos e temos sido bem-vindos para nos manifestar do modo mais positivo possível”.

No discurso, em que falou de todos os países da América do Sul e do México, o chanceler enfatizou o interesse do Brasil na integração regional. Aqui, segundo analistas, o Brasil poderia exercer liderança explicitando uma agenda baseada na democracia e nas leis do mercado. À pergunta sobre se é essa a agenda, Lampreia respondeu: “Claro, nós temos um estreito diálogo político e temos também buscado e conseguido acordos importantes na área da integração.”

No âmbito do Mercosul, graças à chamada cláusula democrática, o Brasil exerceu protagonismo, nas sucessivas crises políticas do Paraguai, para que o país se mantivesse dentro da ordem institucional. Lampreia concorda que, na medida em que a integração se vá ampliando, isso poderá aplicar-se também a outros países. “Mesmo porque a cláusula democrática já engloba praticamente todos os países da América Latina.”

Até o momento, o Brasil continua avaliando que a Venezuela está no trilho institucional. “A Venezuela está agindo com base no mandato popular”, afirmou Lampreia. “É uma Assembléia Constituinte que está criando uma nova ordem.” E arrematou: “Isso é uma coisa que nós sabemos que no Brasil gera emoções e grandes polêmicas, mas não há nada que indique um afastamento das instituições, pelo contrário.”

O grande tema desta assembléia-geral, que coincidiu com o envio da força de paz a Timor Leste, foi o do direito de intervenção. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, fez uma defesa enfática do princípio da intervenção internacional, sem definir explicitamente, na avaliação de Lampreia, se as ações devem ou não ocorrer sempre sob mandato do Conselho de Segurança.

“Num gesto sem precedentes, ele resolveu apresentar uma visão própria, que vai além da média de opiniões aqui”, disse o chanceler. “Causou reações positivas, principalmente do presidente Bill Clinton, e negativas, de países que são antigos militantes da ONU, relutantes a qualquer idéia de intervenções estrangeiras fora do âmbito dela, mesmo que seja por motivos de direitos humanos e de imposição da paz.”

Segundo Lampreia, o Brasil mantém a posição em favor de intervenções ocorrerem no âmbito do Conselho de Segurança, “mas não de maneira tão rígida como Egito, Índia ou China, nem tão aberta quanto a de outros países, que defendem o direito de ingerência”. Ao aceitar participar de ações de imposição da paz, como a de Timor Leste, o Brasil mudou de política. Antes, tinha como princípio só participar de ações de manutenção da paz. “Essa mudança ocorreu na maioria dos países”, disse. “Kosovo e sobretudo Timor Leste alteraram o ponto de vista das sociedades democráticas ocidentais, como a nossa.”

Críticos brasileiros acham o contingente de 51 militares enviado pelo Brasil a Timor Leste pequeno demais. Segundo Lampreia, Annan e o governo australiano mostraram-se satisfeitos e agradecidos. “Todo mundo tem falado conosco muito mais em administradores, educadores, médicos e coisas do gênero do que em soldados.”

“Com a retirada do Exército indonésio, cada vez mais Timor vai ter menos necessidade de soldados e mais de funcionários civis”, previu. “É aí que o Brasil entra, quando Timor estiver sob administração da ONU e será necessário construir um governo, uma sociedade.” Lampreia acertou com o chanceler português, Jaime Gama, a coordenação entre Brasil e Portugal no apoio a Timor Leste.

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