Lições de um acordo comercial com os EUA

O Nafta aumentou as exportações e os investimentos e gerou empregos no México.

Os efeitos de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos podem ser extremamente vantajosos na balança comercial e na geração de empregos. Mas, para que se estendam a um conjunto mais amplo de empresas e de trabalhadores, algumas providências são fundamentais. As constatações são do pesquisador Jorge Máttar, da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que analisou detalhadamente os indicadores econômicos e sociais mexicanos desde a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), em 1.º de janeiro de 1994.

Do ponto de vista tarifário, o tratado foi bastante proveitoso para o México, observa Máttar, que apresentou o estudo na terça-feira, no seminário “Brasil, México, África do Sul, Índia e China: Estratégias de Integração e Desenvolvimento”, no auditório da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. O país já havia conduzido um forte processo de abertura comercial, baixando unilateralmente suas tarifas de importação. Em 1989, sua média era de 10%. Assim, no ano de entrada em vigor do Nafta, Estados Unidos e Canadá tiveram de reduzir suas tarifas em mais de 50%, enquanto o México teve prazo mais longo para a redução.

Em termos médios, as tarifas americanas já não eram altas. Passaram de 2,9%, em 1990, para 1,3%, em 1994, caindo para 0,5% em 1999. Como ocorre em relação ao Brasil e aos outros países, no entanto, as tarifas recaíam brutalmente sobre os setores nos quais o México era mais competitivo.

Em 1990, os Estados Unidos cobraram efetivamente 19% de impostos de importação sobre as confecções mexicanas; em 1994, essa cobrança caiu para 2,8% e, em 1999, para 0,3%. Em segundo lugar, vêm os legumes preparados: 15,2% em 1990, 10,1% em 1994 e 4,9% em 1999. Em terceiro, os calçados: de 12,5% para 5,5% e, finalmente, 3,3%.

Hoje, o México ostenta uma pauta de exportações para os Estados Unidos de valor agregado relativamente alto. Máquinas e aparelhos eletrônicos perfazem 26,3% do total. Até o início dos anos 90, os petróleo respondia por três quartos das exportações mexicanas para os EUA. Hoje, os bens manufaturados representam 45%, se não forem levados em conta os produtos das maquiladoras, que apenas montam componentes importados. Contando com a maquila, a fatia sobe para 84%.

O volume do comércio trilateral, somando Estados Unidos, Canadá e México, saltou de US$ 288,8 bilhões para US$ 659,2 bilhões. Mais importante, para o México: a parcela dos produtos mexicanos no total de importações dos EUA aumentou de 6,3%, em 1991, para 11,2%, em 2000. Traduzindo em ingresso bruto de divisas, isso significa US$ 150 bilhões.

O ingresso de investimentos estrangeiros diretos (IEDs) também teve aumento expressivo com a implantação do Nafta, sobretudo considerando que, no início dos anos 90, o México já havia concluído o grosso de suas privatizações, diferentemente do Brasil. Entre 1994 e 2000, os IEDs somaram US$ 67,867 bilhões. Desses, 63,4% vieram dos Estados Unidos.

Em resposta, entre 1993 e 2000, o México assistiu a um aumento de quase 70% em sua produtividade. Mesmo com a crise de 1995, da qual se recuperou relativamente depressa, o México gerou, desde a entrada em vigor do Nafta, 2,2 milhões de novos postos de trabalho, um aumento de 22%. Entretanto, o salário médio continua estancado, desde 1993, na faixa dos US$ 2 por hora na indústria. Nos Estados Unidos, a média está em US$ 14.

A explicação é que os efeitos benéficos do aumento das exportações e dos investimentos diretos estão confinados a um pequeno grupo de grandes empresas. As transnacionais respondem por 65% das exportações de produtos industriais. São essas que pagam salários mais altos. “São enclaves não integrados ao resto da economia”, observa Jorge Máttar. O grosso das empresas e dos trabalhadores mexicanos está marginalizado do processo.

O economista pondera que pode não ter transcorrido tempo suficiente para que os benefícios se ampliem. Mas atribui a uma falha na política econômica a falta de complementaridade com o entorno das empresas, que poderiam ser fornecedoras da indústria exportadora. Máttar também chama a atenção para a ausência de cláusulas de transferência de tecnologia. “A presença das transnacionais não é um problema em si”, opina Máttar. “Elas geram 60% do PIB do Canadá, por exemplo.” A questão é integrar as empresas locais e menores à cadeia produtiva.

Outro fator preocupante é a excessiva dependência mexicana da economia americana – obviamente anterior à criação do Nafta, mas intensificada pelo tratado. As exportações para os EUA representam 34% do PIB mexicano. Com isso, a desaceleração da economia americana está empurrando o México para a estagnação este ano.

Considerando que a proximidade do México com os Estados Unidos é muito maior que dos outros países latino-americanos, o impacto, sobre eles, de um acordo de livre comércio pode ser menor, admite Máttar. Por outro lado, no início do processo, poderia haver um impacto proporcionalmente forte, justamente por causa do ponto de partida mais baixo. Em qualquer caso, conclui Máttar, “livre comércio pode ser condição necessária, mas não suficiente, para elevar o bem-estar e reduzir a pobreza e a desigualdade”.

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