Ricupero pede fim da crença ingênua na abertura

Para secretário-geral da Unctad adoção de uma política industrial ativa é indispensável

Antes tarde do que nunca. Foi mais ou menos nesse tom que o secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), Rubens Ricupero, elogiou a nova ênfase que o governo brasileiro promete dar às exportações. No reverso do elogio, está uma crítica severa à aposta dos últimos anos na abundância de capitais externos para financiar o déficit em conta corrente.

Ricupero, que participou ontem do seminário “China, Índia, África do Sul, México e Brasil”, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, declarou-se otimista com o discurso feito pelo presidente Fernando Henrique Cardoso na posse do ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, e com a própria escolha de Amaral.

O secretário da Unctad espera que o governo corrija o curso, até aqui orientado pela crença ingênua de que, com a abertura, “a competitividade viria com o tempo, de forma espontânea”. Como ex-embaixador em Londres, Amaral, disse ele, pôde observar a “política industrial ativa” da Inglaterra.

Ricupero acha que os erros estratégicos cometidos no Brasil e noutros países latino-americanos se originam da confusão entre globalização e liberalização. “A globalização se serve da liberalização como instrumento, mas são conceitos diferentes.” Os latino-americanos liberalizaram seu comércio de modo radical, enquanto os países desenvolvidos mantêm-se relutantes em abrir seus mercados nas áreas em que são menos competitivos.

Ricupero ilustra a forma como a inserção dos grandes países emergentes deve se dar com as conclusões do relatório World Economic Survey, de 1987, dirigido pelo atual ministro da Fazenda, Pedro Malan, quando era alto funcionário da ONU. Os técnicos estudaram os países em desenvolvimento que atingiram crescimento rápido, acima de 4,5% ao ano.

Nos anos 70, havia mais de 30 países nessa condição, muitos latino-americanos, incluindo o Brasil. Em meados dos anos 80, o total de países havia caído pela metade e todos os latino-americanos saíram da lista, por causa da crise da dívida externa. Sobraram apenas os asiáticos. Ricupero analisou esses países, em busca de pontos em comum entre eles, e encontrou os seguintes:

1) Todos tinham um Estado eficiente, não empresário, mas com uma burocracia estatal competente, “capaz de orientar o processo de desenvolvimento”. O governo de Cingapura, por exemplo, convidava, todos os anos, executivos estrangeiros para que lhe dissesse que produtos dominariam nos próximos cinco anos e quais poderiam ser fabricados lá.

2) Todos tinham visão estratégica clara do desenvolvimento, não no sentido ingênuo dos planos qüinqüenais socialistas, mas de saber quais eram suas vantagens comparativas. Cingapura, por exemplo, com sua posição geográfica privilegiada, investiu na modernização de seu porto. Outros enveredaram pelos produtos eletrônicos.

3) Outro dado em comum era a distribuição de renda. Japão, Taiwan e Coréia do Sul realizaram reformas agrárias radicais depois da 2.ª Guerra, distribuindo não só terras, mas meios de produção. Em uma geração, esses e outros países asiáticos, segundo Ricupero, reduziram suas parcelas de população abaixo da linha de pobreza de 65% a 70% para 8% a 12%, criando “um mercado interno pujante”.

4) Todos investiram pesadamente em educação e desenvolvimento tecnológico. Enquanto isso, na América Latina, a burocracia estatal era desmantelada; acreditava-se que, tendo bons fundamentos econômicos, “o resto daria em árvore”; em média, a distribuição de renda até hoje não voltou para os níveis de antes de 1981, o que torna seus mercados pequenos e sua capacidade de negociação comercial, menor.

Ricupero adverte contra a “ilusão de depositar excesso de ilusões nas commodities”, cujos preços caíram 40% desde o início dos anos 80. “É preciso fazer com que as commodities deixem de ser commodities”, diz ele, chamando a atenção para a “proeza” do Brasil, que, depois de quase 150 anos na condição de maior exportador de café do mundo, não conseguiu criar uma marca mundial para o produto, coisa que a Colômbia, que exporta três ou quatro vezes menos, já fez. “O maior problema do Brasil não é acesso aos mercados, mas oferta pequena em diversidade e qualidade”, sentencia.

O embaixador reconhece que este é um ano ruim para iniciar uma ofensiva comercial, por causa da franca desaceleração mundial. Em 2000, o comércio mundial cresceu 12,5%; este ano, as projeções começaram em 7% e já se fala em 5%. Será difícil, mas não impossível, diz ele. O importante, conclui, é que o governo parece ter adquirido a consciência de que a solução “está nas exportações, não em esperar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional ou a melhora do quadro internacional”.

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