‘Tecnologia deve correr na direção dos pobres’

Diretor do Media Lab descreve como as inovações podem reduzir a desigualdade.

SÃO CARLOS – A tecnologia tem de correr na direção dos pobres, e reduzir as desigualdades. A tese é de Walter Bender, diretor do Media Laboratory, um centro de inovações multidisciplinar do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Para Bender, mesmo com a sofisticação dos meios, a tecnologia está ficando cada vez mais barata. O desafio é disseminar o conhecimento do seu uso.

Em entrevista ao Estado, depois de um encontro com cientistas brasileiros na Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos, na semana passada, Bender disse estar notando uma maior aproximação entre a universidade e o mercado, no Brasil. “As universidades estão muito mais engajadas e focalizadas na indústria do que quando comecei a visitar o Brasil, no fim dos anos 80”, observou Bender, de 48 anos, que já veio ao Brasil cerca de 20 vezes.

Com 30 grupos de pesquisas, mais de 150 alunos de pós-graduação em 300 projetos em andamento – “do quantum ao karaokê” -, o Media Lab conta com mais de 100 parceiros industriais, e um orçamento de US$ 30 milhões. Desses, 60% vêm, atualmente, da indústria.

Estado – A tecnologia aumenta ou diminui a distância entre ricos e pobres?

Walter Bender – O criador da Fundação Grameen (Muhammad Yunus), que dá assistência a indianos muito pobres, disse que a tecnologia está caminhando em direção aos pobres. Estamos tentando fazê-la correr.

Estado – Mas alguém poderia argumentar que estão surgindo coisas mais sofisticadas e mais caras.

Bender – Que tecnologia é mais cara hoje do que cinco anos atrás?

Estado – Nenhuma. Mas as pessoas com mais poder de compra e mais conhecimento sempre estarão na frente.

Bender – Pessoas com mais dinheiro sempre vão comprar mais coisas do que as com menos. Não creio que a tecnologia vá mudar isso.

Estado – E quanto a saber mais?

Bender – Muito da ênfase do que estamos fazendo está em como as pessoas aprendem a usar a tecnologia. Uma coisa é dar ou vender tecnologia para as pessoas. Outra coisa é fazer com que elas usem a tecnologia para melhorar a vida delas. Dar um computador para uma pessoa sem lhe mostrar como ela pode usá-lo não ajuda muito. Trabalhamos num projeto no Camboja, no qual construímos duas escolas na zona rural. Nicholas (Negroponte, um dos fundadores do Media Lab) montou uma rede via satélite para conectar as escolas com o resto do mundo. E deu a cada criança um lap top. Uma das regras é que as crianças têm de levar o computador para casa à noite, porque ele quer que o computador tenha impacto sobre a comunidade, e não apenas sobre a escola. Os pais ficaram muito entusiasmados de ter o computador em casa, porque eles não têm eletricidade, e o computador fornece luz.

Estado – Isso ilustra a distância de que falamos.

Bender – Sim.

Estado – De qualquer maneira, esse tipo de experiência é muito limitado.

Como espalhar isso mundialmente?

Bender – Nós próprios não podemos espalhar. Há um personagem nos Estados Unidos chamado Johnny Appleseed (semente de maçã), que espalhou sementes de maçã por todo o país, e é por isso que há macieiras por toda parte nos EUA. Essa não é uma maneira realista de espalhar a tecnologia: uma pessoa percorrendo o mundo e jogando sementes. É preciso ter modelos de crescimento. E é exatamente com esse problema que David Cavallo (do Media Lab, em parceria com a Fundação Bradesco) está trabalhando no Brasil. Ele está tentando entender como pegar boas idéias e torná-las parte de uma mudança sistemática. Organizações, incluindo escolas, são muito lentas para mudar.

Estado – São conservadoras…

Bender – Não no sentido político. Há princípios fundamentais na maneira como as organizações são estruturadas que faz com que elas resistam a mudanças. Tem a ver com a estrutura hierárquica… há uma série de razões que tornam difícil as organizações mudarem. Você pode dizer, mostrar para elas, mas não é suficiente. Elas têm de ser os agentes da mudança.

Estado – Mas não é difícil de pôr em prática a proposta de vocês de ‘aprender como aprender com os aprendizes’?

Bender – É difícil, mas também é inevitável. Aprender é algo tão fundamentalmente humano, e montamos instituições que se tornam um obstáculo para isso. Portanto, no fim, acho que essas instituições vão erodir, na medida em que as necessidades e desejos humanos se sobreponham. Mas vai tomar um tempo. Mesmo que você tivesse o mais esclarecido dos ministros da Educação, não faria diferença, porque isso não pode acontecer de cima para baixo. Por outro lado, há exemplos de mudanças muito rápidas na sociedade. Estive num encontro do Instituto Internacional de Imprensa em Viena, no ano passado. Subi no palco, e eles olharam para mim: ‘Aí vem o cara da tecnologia. Nós já não provamos que tecnologia é irrelevante? A bolha da internet, etc.’ Então eu lhes perguntei: ‘Quantos de vocês têm e-mail?’ Todas as mãos se levantaram. Se eu perguntasse isso há dez anos, nenhuma mão se teria levantado. A maneira como nos comunicamos mudou fundamentalmente.

Estado – E o que isso muda?

Bender – O poder da comunicação está nas mãos de todos. Ou talvez não de todos. Mas, eis um exemplo de tecnologia que deve andar – ou correr – em direção aos pobres. Acho que essa capacidade (de comunicação) será o veículo pelo qual essa mudança ocorrerá nas escolas. Mas não tenho todos os elementos na cabeça para dizer como será a fórmula da mudança. David (Cavallo) esboçou alguns princípios, algumas diretrizes sobre como a mudança ocorrerá. Mas acho que ainda não desenhamos o mapa da estrada. Sabemos que tem de ser ao mesmo tempo imersivo e emergente. E será de um jeito em Salvador e de outro em Porto Alegre. Mesmo dentro do Brasil, há muitas faces diferentes.

Estado – Vocês ficam com as patentes dos produtos que resultam de suas idéias?

Bender – Às vezes sim, às vezes não. Muito do que fazemos, colocamos sob domínio público.

Estado – Por quê?

Bender – Há motivações diversas para pessoas diferentes. Alguns são motivados por dinheiro; outros, por mudar o mundo; e outros, pelas duas coisas. Não questiono as motivações. Só quero ter certeza de que as idéias são boas. E de que há um veículo para pôr essas idéias em prática. Às vezes é melhor patentear uma invenção, porque, sem a proteção da patente, a indústria não porá a mão nela, e a indústria é necessária, como um fígado. Noutros casos, é melhor mantê-la aberta, para que todo mundo tenha acesso a ela. Adotamos estratégias diferentes para tecnologias diferentes.

Estado – É o cientista quem decide?

Bender – No Media Lab, sim.

Estado – Quando vocês aparecem com algo como a inovação viral (ver ao lado), o que dizem os seus patrocinadores, como a Motorola, por exemplo?

Bender – Acho que, para a Motorola, interessa muito entender novos potenciais e novas ameaças. Não conheço ninguém fora do laboratório que acredite que isso (inovação viral) vá de fato acontecer (risos). Mas a verdade é que, para eles, é um investimento muito pequeno, deixar-nos correr riscos muito grandes.

Estado – Quanto?

Bender – Algo entre US$ 100 mil e US$ 1 milhão.Para uma grande companhia, não é nada. Por US$ 100 mil, ela tem 300 pesquisadores, acesso a todas as idéias, a brainstorms, a críticas às idéias dela… Somos um recurso que vai além das invenções, porque ajudamos a desenvolver um mapa mundial mostrando para onde as indústrias estão indo, e a desenhar estratégias de aplicação de recursos e investimentos.

Estado – ‘Acesso’ significa que os patrocinadores podem roubar suas idéias e levá-las para seus próprios laboratórios?

Bender – Nós encorajamos muito isso. Nosso objetivo é que alguém que possa colocar em prática nossas idéias se aproprie delas. Se elas não saírem das nossas mãos, nada vai acontecer.

Estado – Você percebe a diferença entre Brasil e Estados Unidos nas relações entre universidade e indústria?

Bender – Não tenho exposição suficiente ao que está acontecendo no Brasil para responder, mas os fragmentos que vi nesta viagem são muito diferentes do que vi no passado. As universidades estão muito mais engajadas e focalizadas na indústria do que quando comecei a visitar o Brasil, no fim dos anos 80.

Estado – É mais difícil fazer ciência sob um governo como o atual nos EUA?

Bender – Você quer dizer sob George W. Bush, que não acredita em ciência (risos)? Há muitas amarras para a ciência nos Estados Unidos neste momento, sobretudo de natureza ideológica.

Estado – E vocês estão revidando?

Bender – Exatamente. Essa é umas das coisas muito interessantes nisso tudo. A capacidade do público de ter voz é muito diferente do que era no passado. E acho que isso é muito bom. 

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