A natureza manda um recado ao futuro: a água esquentou

A temperatura sobe no Atlântico, a formação de chuvas desloca-se para o norte, mas é cedo para falar em efeito estufa.

MANAUS – Quando se fala em seca na Amazônia, ou nos furacões no Sul dos Estados Unidos, a primeira coisa que vem à cabeça é o aquecimento global. A terra está de fato ficando mais quente, mas, segundo os especialistas, é impossível demonstrar um vínculo causal entre esse aquecimento e fenômenos particulares, como os furacões e a seca. O que os cientistas já sabem, no entanto, é que os dois fenômenos tiveram a mesma origem: o aquecimento da água no norte do Oceano Atlântico.

Os primeiros sinais surgiram em maio de 2004, na costa da África. No fim do ano, a água quente chegou ao Golfo do México e à costa da Venezuela, onde a temperatura média, de 28 graus centígrados, subiu para 29. Ao longo deste ano, a temperatura do oceano tem ficado entre 0,5 e 5 graus acima da média. Por causa dessa anomalia, a chamada “zona de convergência intertropical”, ponto de encontro entre as massas de ar dos Hemisférios Norte e Sul, que provoca formação de nuvens e chuvas, deslocou-se mais para o norte. 

“É o segundo ano que isso ocorre, mas, na Amazônia, a resposta dos rios à chuva é lenta, porque a bacia é enorme e há pouco desnível”, explica Pedro Dias, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos. “Ainda é prematuro atribuir ao aquecimento global, mas é um sinal coerente com o que se espera do efeito estufa.” Ou seja, se não for uma conseqüência direta do aquecimento, funciona como uma amostra do que pode vir a acontecer na Amazônia, se ele não for contido.

“Ninguém pode dizer se o aquecimento do Atlântico é resultado direto do aquecimento global”, diz Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em Belém. “O que podemos dizer é que ele é consistente com as previsões, e pode estar relacionado tanto com a perda de New Orleans quanto com a seca calamitosa na maior floresta tropical do mundo. À medida que o mundo se aquece, surpresas desse tipo seguramente se tornarão comuns.”

A seca deste ano ainda não terminou, mas já é comparável à de 1963, quando o Rio Negro chegou a seus níveis mais baixos em um século de medições (ver gráficos), e com a de 1998, no rastro do fenômeno El Niño, quando 40 mil quilômetros quadrados de florestas pegaram fogo.

DESMATAMENTO

Ao lado do aquecimento, o desmatamento também contribui para a seca. Onde há floresta, a maior parte da água da chuva é interceptada pela copa das árvores. A água evapora rapidamente e causa mais chuvas. Em áreas desmatadas, com o solo pobre em matéria orgânica, a água da chuva escorre para os rios, indo para longe.

Assim, as duas causas podem se encontrar em um ponto: ao “seqüestrar” gás carbono, a floresta contribui para conter o efeito estufa, e, com ele, o aquecimento global. 

Acontece que “manter floresta de pé custa caro”, observa Paulo Moutinho, coordenador do Ipam, em Brasília. Entre os especialistas e autoridades, tem-se intensificado a reivindicação para que os moradores da região recebam incentivo financeiro para não desmatar.

O secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, Virgílio Viana, observa que na Colômbia e na Costa Rica já existem fundos para remunerar os habitantes das florestas pelos “serviços ambientais prestados”. No caso da Colômbia, trata-se de um recurso internacional chamado Global Environmental Facility; na Costa Rica, a verba vem de uma taxa de 5% sobre o consumo de combustíveis. Os proprietários de terras recebem US$ 50 por hectare de floresta preservada ao ano.

O mecanismo de desenvolvimento limpo do Protocolo de Kyoto, que estipula a venda de créditos de carbono, fornece uma base para o cálculo do valor da floresta preservada. Segundo Moutinho, a área de floresta queimada por ano representa de US$ 5 bilhões a US$ 7 bilhões em carbono seqüestrado – quase 10% do Produto Interno Bruto da Amazônia.

De acordo com Viana, a cooperação internacional para a preservação da Amazônia atinge entre US$ 3 milhões e US$ 5 milhões por ano. “Precisamos sair dessa escala para US$ 200 milhões a US$ 500 milhões”, diz o secretário, que tem pós-doutorado em conservação ambiental pela Universidade da Flórida. “Só aí poderemos agir de maneira enérgica no combate ao crime ambiental e no investimento na produção florestal sustentável, remunerando o produtor pelo serviço ambiental.” 

 

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