Os donos das ruas

As autoridades viram as costas para as extorsões praticadas por vigias de carro e seus colegas

A pesquisa do Instituto Gallup publicada no domingo pelo Estado, sobre qualidade de vida na cidade de São Paulo, quantificou uma sensação reinante: 63% de seus moradores prefeririam não morar mais na Capital. Outra confirmação: a preocupação maior é com segurança.

Esse é um Conceito amplo, no entanto. A violência se manifesta mais ostensivamente nos assassinatos, assaltos,. seqüestras e agressões. Em São Paulo e no Rio, contudo, para a sensação de insegurança contribui um outro tipo de violência que encontra inacreditável tolerância das autoridades: a dos donos das ruas.

Os donos das ruas se ocupam basicamente de dois negócios: controlar o estacionamento em local, público e lavar pára-brisa. O primeiro segmento é o mais lucrativo e geograficamente abrangente. Assume duas modalidades: há o vigia de carro e há o manobrista de restaurante. Não existe rua movimentada de São Paulo onde não se tenha de dar satisfação a um fulano depois de encostar o carro. A extorsão é tão explícita quanto o mau humor do extorquido.

Em São Paulo, qualquer pessoa que arranje um cavalete, um bloco de concreto ou cone amarelo e preto está capacitada a interditar uma ou mais vagas de estacionamento na rua. A prática foi institucionalizada por muitos bares, restaurantes, etc. O motorista só pode usufruir daquele espaço público se quiser pagar e deixar a chave do carro. Se, por um azar, não estiver indo para aquele estabelecimento específico, mas simplesmente for a um lugar vizinho ou em frente, não pode estacionar o carro naquela vaga.

Parar no sinal requer estado de alerta vermelho. Além dos assaltantes, vendedores, pedintes e distribuidores de panfletos em geral inúteis e poluidores, há os insistentes lavadores de pára-brisa. Se parece pouco provável que alguém procurando apartamento para comprar faça sua pesquisa nos cruzamentos das avenidas, mais difícil é encontrar um motorista ansioso por ter o vidro besuntado de água suja e sabão que escorre pela pintura.

A polícia vira as costas para essas extorsões e invasões do espaço público. Quem será que acredita que a relação entre esses “profissionais liberais” das ruas de São Paulo e do Rio e os motoristas é mediada pela liberdade de escolha? Quem acha que é a mesma coisa de ir a uma loja ou prestadora de serviço? O governador, o secretário de segurança, o comandante da PM, os policiais?

Assaltar dá trabalho e de vez em quando cria problemas com a polícia. Guardadores de carro e lavadores de pára-brisa encontraram uma maneira de arrancar dinheiro dos motoristas sem usar armas nem ser importunados pelas autoridades. É extorsão, tipificada em lei. É, além disso, socialmente injusto. Pessoas pobres que por alguma razão preferem continuar trabalhando ganham bem menos do que esses extorsionários.

O governo que não venha com essa de que paga quem quer. É mentira. Não há alternativa. Um arranhão, um vidro quebrado e mesmo uma agressão física saem muito mais caro do que a taxa cobrada pelo dono da rua. Com um policiamento ostensivo capenga. Como esse que o governo oferece e diante da ousadia dos assaltantes, essa discussão soa até um pouco supérflua, um preciosismo. Não está sequer na agenda dos políticos. Mas o assédio dos donos das ruas não é só uma contrariedade que tira qual quer zen-budista do sério. É um problema de segurança pública.

O fato de paulistanos e cariocas – e, em menor escala, moradores de outras cidades grandes do Brasil – estarem resignadamente habituados a essas extorsões não as torna naturais. Esses assédios contribuem para o stress sentido na cidade, juntamente com outros dissabores, como congestiona mentes, buzinas, fumaça, falta de educação, etc. Tudo somado, a maioria dos paulistanos quer ir embora de São Paulo. A maioria não vai, ou porque tem muito a perder ou porque não pode. Então, se a maioria vai ficar por aqui mesmo, o jeito é tornar a cidade mais habitável.

 

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