Os piores cegos

O Brasil mudou, a opinião pública amadureceu e tem gente importante que não quer ver.

O debate sobre a reeleição já começou torto. Muitos aliados do governo não conseguem mais pensar nas reformas da ordem econômica sem garantir primeiro a emenda da reeleição, como se o governo federal e o Congresso atuais não tivessem mais dois anos pela frente.

As questões de princípio, sobre se é desejável ou não permitir a candidatura à reeleição, e em que níveis do Executivo, sobre se o candidato ocupante de cargo deve se desincompatibilizar ou não, e sobre se a mudança já deve valer para o atual mandato, tudo isso está sendo atropelado pelos cálculos mais imediatistas.

Está fora de questão esperar que um político não pense na própria carreira 25 horas por dia. É humano. Acontece que no Brasil esse espetáculo ainda é conduzido de um jeito grosseiro demais e castiga a inteligência do público pagante. Já é evidente o contraste entre a mentalidade de políticos importantes e o nível de amadurecimento da opinião pública. Se as últimas pesquisas sobre a questão da reeleição e os resultados das eleições municipais dizem alguma coisa é que grande parte dos brasileiros distingue as esferas da administração, valoriza o pragmatismo e a expertise, não se deixa levar por truques bobos e se interessa por questões de princípio e mais longo prazo.

Há cinco anos, na discussão que antecedeu o plebiscito sobre a forma de governo, uma das atitudes mais marcantes foi a do sindicalista Jair Meneguelli, que defendeu o parlamentarismo exclusivamente como forma de tirar Fernando Collor do cargo. O tempo passou, Collor caiu de outro modo e hoje o Brasil se arrisca mais uma vez a misturar uma discussão sobre o regime do País com questões conjunturais e interesses pessoais.

As pesquisas mostram que a aprovação ao governo de Fernando Henrique não leva necessariamente o eleitor a aceitar a tese da reeleição, já valendo para a próxima eleição. Para efeito do nível em que o debate deve ser conduzido, não importa se a maioria deseja ou não ter uma chance de reeleger Fernando Henrique. Pode até desejar, assim como pode ser perfeitamente legítimo e natural o presidente querer continuar o próprio trabalho por outros quatro anos.

O que interessa é que muitos brasileiros entendem a diferença entre regime e governo e sabem que a Constituição não pode ficar sendo mexida ao sabor das contingências. Se for para alterá-la, que seja porque assim se terá um regime melhor. A ironia dessa história é que o Plano Real de Fernando Henrique de alguma forma contribuiu para esse amadurecimento. A inflação menos alta trouxe um desafogo e elevou o nível das preocupações. O principal trunfo político do presidente, a estabilidade econômica, também contribui indiretamente para exigir mais sofisticação na estratégia para a reeleição.

Nas eleições municipais, alguns políticos acabam de sentir na pele no que dá desmerecer o discernimento do eleitor. Em São Paulo, ataques pessoais e de baixo nível, promovidos, por exemplo, pelo ministro Sérgio Motta, prejudicaram, ou pelo menos não salvaram seu candidato, José Serra. Em todo o País, o eleitor votou para prefeito e vereador com base no que deseja da administração e da Câmara Municipal.

A candidatura José Serra é exemplar, porque foi resultado de um cálculo que misturava eleições municipais, emenda da reeleição e a eleição presidencial de 1998. Tratava-se de frear o prefeito Paulo Maluf, percebido como potencial desafiante de Fernando Henrique. Foi um desastre. Mesmo assim, não é óbvio que a lição das urnas em São Paulo tenha sido assimilada. O debate e as iniciativas em torno da reeleição presidencial continuam no mesmo nível de antes, capaz de relembrar a triste visão de mundo de Meneguelli.

Como disse o diretor do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, pobres dos políticos que acham que o Brasil não mudou, cresceu e amadureceu. Em menos de uma década de consolidação democrática, foram uma Constituinte, um plebiscito e um impeachment presidencial. É muito. O Brasil muda rapidamente e políticos importantes correm o risco de ficar para trás. 

 

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