Imagem de ‘novo vilão’ incomoda muçulmano

Segundo Fahad al-Tayash, (editor do único jornal distribuído nos 22 países árabes,) vencido o comunismo, o mundo árabe e islâmico passou a ser o alvo das potências ocidentais que tentam se manter coesas.

LONDRES — No último filme de mocinho e bandido com Arnold Schwarzenegger, True Lies, os vilões eram árabes, muçulmanos e fundamentalistas (o ocidental comum não percebe a distinção) chantageando o mundo civilizado com uma bomba atômica. A ogiva tinha inscrições em cirílico, indicando que fora contrabandeada de alguma parte da antiga União Soviética. Estava consumada a passagem.

Por intermédio da bomba, os árabes herdaram dos russos o papel de inimigos do Ocidente. O diretor do filme, James Cameron, foi cristalino ao comentar a decisão: Hollywood necessita de um vilão, e no momento os árabes e muçulmanos parecem os mais habilitados para assumir o papel.

Os últimos acontecimentos mostram que Cameron está no caminho certo. A televisão no mundo inteiro mostrou o seqüestro do avião da Air France na Argélia, no Natal. As duas guerras que recebem cobertura da mídia ocidental no momento são tratadas entre cristãos e muçulmanos: russos contra chechenos, e sérvios contra bósnios, apesar das alianças táticas entre muçulmanos e croatas e entre sérvios e mulçumanos rebeldes. O mundo está ingressando numa nova cruzada.

O saudita Fahad al-Tayash está numa posição privilegiada para refletir sobre esses temas. Doutor em Comunicações Sociais, até há um ano professor da Universidade Rei Saud, em Riad, hoje ele ocupa o cargo de editor-executivo do jornal Asharq al-Awsat (O Oriente Médio). Com tiragem média diária de 250 mil exemplares, é o único jornal distribuído para os 22 países árabes.

Em seu escritório na Casa da Imprensa Árabe, no centro de Londres, Al-Tayash concedeu entrevista exclusiva ao Estado.

Estado – O sr. sente que os árabes e muçulmanos estão sendo transformados no principal inimigo do Ocidente?

Fahad al-Tayash – Nós não temos problemas com isso. É uma iniciativa pré-calculada na cultura popular americana. A questão da imagem dos árabes é antiga. Este é um debate que se remete às Cruzadas. Sem um inimigo, não existe coesão. A idéia é ficar unido para combater o inimigo comum. O inimigo comunista foi derrotado. Não há mais uma superpotência no Leste. Agora a Rússia esta lutando contra a Chechênia, internamente. E os EUA enviaram tropas para o Haiti. Mas é necessário um inimigo comum, um inimigo cultural que possa unificar o front interno. Onde está o inimigo? A Máfia é invisível. Não há ameaça do seu país, ou da América Latina, a não ser a imigração. Mas isso é uma questão de controle, e de desenvolver tecnologia para vigiar as fronteiras. Mas o inimigo tem de ter um apelo sobre a civilização. Vocês (latino-americanos) são parte da civilização ocidental. Nós, árabes, somos e não somos.

Estado – Como assim?

Al-Tayash – O Islã não é uma religião nova, ao contrário do que se diz. Ele é baseado no Judaísmo e no Cristianismo. Mas a média e os serviços de inteligência não estão interessados em mostrar isso. Na época da guerra fria a mensagem era: “Os russos vêm aí.”Nunca vieram. E quem vem vindo agora? Lembre-se do xeque Omar Abdel-Rahman (acusado de inspirar os autores do atentado ao World Trade Center de Nova York). Ele tinha sido condenado no Egito por participar no complô para assassinar Anuar Sadat. E recebeu visto de entrada nos EUA. Por quê? E os mujahedines (combatentes islâmicos) do Afeganistão? Quem os financiava? O Ocidente. Mesmo aqui na Grã-Bretanha, pessoas envolvidas em terrorismo recebem asilo. É bem provável que os governos ocidentais estejam financiando grupos para executar ataques e pôr a culpa nos muçulmanos. Mas isso é um Frankenstein que foge ao controle.

Estado – Mas mesmo aceitando a sua argumentação, o Ocidente está tirando proveito de contradições do mundo árabe. Na Argélia, a maioria da população queria criar uma república islâmica – os fundamentalistas iam vencendo as eleições quando os militares cancelaram o segundo turno, em 92. Como o seu jornal lida com essa realidade?

Al-Tayash – Nós esclarecemos o público sobre o que está ocorrendo. Mostramos a realidade de vários ângulos. Para alcançar todos os públicos, temos de ser imparciais. Os politizadors do Islã, ou os islâmicos, têm suas razões. Mas não aceitamos os meios deles. A mudança pode ser obtida pelo diálogo, a participação, mas não a violência. Quem acredita no Judaísmo. Cristianismo ou islamismo não deve permitir que os terroristas usem a sua religião. O que os sérvios estão fazendo agora na Bósnia, podemos chamar de terrorismo cristão? E o que aconteceu na Irlanda do Norte? Ou na Chechênia? E o massacre na mesquita de Hebron em 1994, foi terrorismo judaico? Dizemos que é um fanático, ou um louco que cometeu esse ato individualmente. Mas quando se trata de um muçulmano, então se chama terrorismo islâmico, ou fundamentalismo islâmico. Eu não gosto de ser associado a esse termo, não gosto de ser rotulado.

Estado – E como o sr. desenvolve esse argumento?

Al-Tayash – Todas as religiões tem um sistema moral. Nenhuma advoga a violência assassinatos irracionais, contra civis. contra qualquer pessoa sem motivo. Então quem quer que esteja executando esses atentados não é muçulmano, nem cristão. Ou pelo menos não fala em nome da maioria desses povos.

 

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